quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Mediação de conflitos: um meio de prevenção e resolução de controvérsias

Doutrina
A contemporaneidade nos coloca desafios vários. Se, por um lado, a velocidade das mudanças contribui para que o tempo médio de vida de nossas ideias fique cada vez mais curto, por outro, o avanço tecnológico e os cuidados preventivos com a saúde nos possibilitam vida mais longa. Consequentemente, é preciso confrontar mais mudanças durante o nosso tempo de existência. É preciso ser curioso na vida, revendo sempre conceitos e crenças e o que consideramos que já sabemos fazer.

Algumas ideias, como a Mediação, surgem em consonância com as necessidades da época, mas encontram sujeitos com visões ainda antigas, em processo de mudança paradigmática. Para alguns, será necessário um tempo maior de adaptação ao desconforto que o novo provoca. Para outros, a proposta soa como apaixonante, intrigante.

A Mediação chega em sintonia com seus princípios, colaborando, e não competindo, com os meios de resolução de conflitos existentes. Chega para todos os povos e para todas as condições sociais, mas não, necessariamente, para todos os temas.

Chega pretensiosa, ampliando as possibilidades de intervenção cogitadas até o momento nesse campo; dispõe-se a resolver conflitos e, também, a restaurar a relação social entre pessoas, provocando repercussões de alcance social até então não incluídas nos métodos de resolução de conflitos.

1 Este artigo integra uma coletânea organizada por José Ricardo Cunha em Poder Judiciário – Novos olhares sobre gestão e jurisdição, obra publicada pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, em 2010.

2 Pesquisadora, docente e supervisora em Mediação de Conflitos e em Facilitação de Diálogos. Diretora- Presidente do MEDIARE – Diálogos e Processos Decisórios. Médica. Pós-Graduada em Sociologia e Gestão Empresarial. Short Term Consultant do Programa de Mediação de Conflitos para América Latina do Banco Mundial. Professora convidada do Mestrado em Poder Judiciário da Escola de Direito Rio da Fundação Getulio Vargas Não faz restrições a profissões de origem nem exige formação acadêmica prévia, alargando, em muito, o painel de terceiros imparciais que podem contribuir para a pacificação social. Entrelaça disciplinas e demanda de todos os seus praticantes a ampliação de perspectivas e conhecimentos. Possibilita que um número maior de pessoas atue na facilitação do diálogo para resolver questões e, principalmente, atue preventivamente sobre temas da convivência que interferem nas relações, mas não são objeto de resolução por vias formais.

As ADRs no mundo contemporâneo A expressão Alternative Dispute Resolution (ADR) e suas traduções surgem trazendo esperanças para todos os que perceberam e percebem que os métodos de solução de conflitos, rotineiramente praticados e incorporados pelo mundo ocidental, têm-se mostrado insuficientes. Sob o guarda-chuva das ADRs, encontram-se dezenas de procedimentos que possibilitam a resolução ou o manejo positivo de conflitos, “sem recorrer à força e sem que os resolva um juiz”.

3 Nos países de língua latina, entre os quais o Brasil, utiliza-se a tradução literal ― Resolução Alternativa de Disputas (RAD), embora, em território brasileiro, as expressões Métodos Alternativos de Solução de Conflitos (MASCs) e Métodos Extrajudiciais de Resolução de Conflitos ou Controvérsias (MESCs) sejam também vigentes.

A ideia de serem alternativos estava primariamente subjacente ao método-padrão à época ― a resolução judicial. Em realidade, o Judiciário já foi uma proposta alternativa à negociação direta e ao uso da força como meios de resolução de desavenças.

É porque o homem não mostrou suficiente habilidade no diálogo direto para administrar suas diferenças, que a força passou a ser um norteador de negociação. É porque a força mostrou suas consequências para a convivência, que o homem criou as leis. É porque as leis não dão conta de resolver as controvérsias, tanto em relação à sua complexidade de composição quanto ao tempo desejado para sua resolução, que o retoma a negociação direta, assistida por terceiros, característica dos meios chamados alternativos.  

É importante mencionar que diferentes formas de negociação de controvérsias são conhecidas e utilizadas desde sempre. Tribos indígenas, comunidades religiosas e culturas orientais são exemplos de contextos que privilegiam a resolução pacífica das controvérsias, pautada no diálogo, antes mesmo do impulso adquirido pelas ADRs, na segunda metade do século passado.

O movimento social da década de 1960, que propunha mudanças paradigmáticas nas lentes de análise do comportamento humano, incentivou inúmeras novas, ou pouco usuais, possibilidades alternativas de expressão e de condutas, e se mostrou presente, igualmente, no campo da gestão de conflitos. Foram os americanos aqueles que, à época, mais se debruçaram sobre o tema, dando ênfase às ADRs.

Frank Sander (apud Highton e Álvarez, 1996:26) identificou especiais motivações para o movimento das ADRs em território americano:

(i) o descongestionamento dos tribunais, assim como a redução dos custos e de tempo na resolução de conflitos; (ii) a maior participação da comunidade nos processos de resolução de conflitos; (iii) a facilitação do acesso à justiça; e (iv) a oferta de formas mais efetivas de resolução de disputas.

O termo ADR tem sido objeto constante de reflexão ao se traduzir “alternative” por “alternativo”, vocábulo originalmente empregado pelos americanos. É necessário, a cada momento e em cada cultura, tentar compreender a intenção da escolha do termo “alternativo”.

Para a American Arbitration Association (AAA), a expressão ADR refere-se a “uma variedade de técnicas para resolver disputas sem litígio”. Em sua missão, a associação americana empenha-se em criar sistemas alternativos que atendam às necessidades das partes envolvidas em disputas. Ser uma alternativa ao litígio e  estar voltado para o atendimento das necessidades das partes é tudo o que se deseja de melhor para um método “alternativo”.

Abrigada sob o guarda-chuva das ADRs, a Mediação não se reconhece como alternativa ao Judiciário. O instituto da Mediação pode ser útil mesmo em situações em que a resolução judicial não se aplica (não constituindo, portanto, sua alternativa) ou, ainda, pode atuar de forma complementar, no sentido de prover o que falta ao Judiciário. Devemos pensar na Mediação como alternativa ao litígio, e não ao Judiciário, e considerar as repercussões de sua prática sobre o descongestionamento dos tribunais como consequência, e não como objetivo.

Mesmo com a contribuição dos franceses, traduzindo o “a” de ADRs por “amigável” ― Amicable Dispute Resolution ― referência encontrada na Câmara de Comércio Internacional sediada em Paris ―, o significado mais acolhido atualmente é “apropriado” ou “adequado”. Com o surgimento a cada dia de novos métodos, por vezes híbridos, resultantes da combinação dos existentes, torna-se possível adequar a situação-problema ao instrumento que pareça mais eficaz e eficiente. Já é vigente a prática de se desenhar, para cada questão, novos meios de resolução de conflitos, inspirados em procedimentos dos métodos conhecidos.

Os Dispute Review Boards (DRBs)4 são exemplos desta prática e têm por fim resolver controvérsias em tempo real, convocando empreendedores de grandes projetos a atuarem de maneira preventiva em relação à instauração de conflitos (ex.: a construção do Eurotúnel), pois quando a resolução do desentendimento é em tempo real, o conflito não chega a eclodir. Esta possibilidade tem sido assinalada como preventiva no campo da gestão de conflitos.

Assim, o painel dos meios alternativos de resolução de controvérsias é ampliado a cada dia. Isto ocorre em relação não só ao surgimento de diferentes métodos de resolução de conflitos em tempo real ― just in time resolution ―, mas também ao crescimento do movimento voltado ao diálogo direto ― one on one dialogue.


Por Tânia Almeida
Fonte: CNJ

Nenhum comentário:

Postar um comentário