Culpa objetiva
“Saidinha bancária” é o nome dado ao crime contra o cidadão que acaba de fazer saque em dinheiro junto ao banco.
A prática ocorre da seguinte maneira: a vítima é escolhida, geralmente por “olheiros”, que se encarregam de observar e identificar as pessoas que façam saques bancários.
Em seguida, sabendo que o cliente acabara de receber dinheiro, o “olheiro” transmite a informação aos comparsas, que normalmente ficam no exterior da agência, que só tem o trabalho de seguir a vítima, para arrebatar-lhe o dinheiro. A vítima, então, é seguida até determinado ponto que permita a abordagem, com menor risco, pelo criminoso, muitas vezes nas próprias mediações do estabelecimento bancário.
Geralmente a ação não é feita de forma isolada, agindo os delinqüentes em grupo, sendo que um deles atua no interior do banco observando o movimento da vítima.
Responsabilidade civil do banco
A partir da promulgação do Código Consumerista, passou a ser possível a responsabilização da empresa por atos de terceiros, nos termos dos artigos 8º e 14. Com advento do vigente Código Civil, a obrigação se ampliou, consoantes dispõem os artigos 927, 931 e 932, pela denominada “teoria do risco”.
A teoria do risco faz com que a responsabilidade civil se desloque da noção de culpa para as ideias de risco, como risco proveito, risco criado e risco excepcional, que se funda no princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em consequência de atividade realizada em benefício do responsável.
Inegável que compete ao banco prover a segurança de seus correntistas, garantindo o patrimônio que se encontra aplicado em seu estabelecimento, mesmo que tenha que arcar com os custos adicionais correspondentes, posto que inerentes a sua atividade específica.
Assim, referida prática impõe ao banco, inegavelmente, a responsabilidade pelo fato danoso, vez que referida instituição financeira tem o dever de adotar as cautelas objetivas para prevenir ou impedir tal prática delituosa, plenamente previsível pela reiteração de sua ocorrência.
É notório que os bancos se constituem alvo de ações criminosas pela simples razão da certeza de que existe dinheiro em suas dependências. Sabedor deste fato, lhe cabe adotar medidas de modo a inibir práticas delituosas dessa natureza, atuando preventiva e corretivamente, de modo a evitar o dano como noticiado diariamente na imprensa.
Notório também que as instituições bancárias, mesmo diante de uma avalanche de ocorrências de “saidinha de banco”, não vêm adotando qualquer procedimento mais cauteloso para resguardar o direito de seus clientes.
Doutrina e jurisprudência perfilham o entendimento de que a responsabilidade dos bancos é objetiva. Estão obrigado, portanto, a indenizar independente de culpa. Ganha força a tese da responsabilidade civil dos bancos em caso de “saidinha bancária”, reforçando pela tese dos bônus e dos ônus.
Ressalte-se que, mesmo que o assalto tenha sido perpetrado por terceiros, o evento danoso sempre decorre do negligente atendimento dispensado aos usuários, daí porque reconhecida a causalidade adequada.
De fato, a má prestação do serviço é sempre determinante para ação criminosa de terceiro, na medida em que todos os usuários dos serviços bancários presentes na agência veem a entrega de numerários, fato juridicamente relevante na ocorrência do evento danoso, devendo, também por isso, reparar os prejuízos experimentados.
Não pode favorecer aos bancos a usual tese do fato de terceiro, porque a rigor a hipótese caracterizaria verdadeiro fortuito interno, já que os terceiros só tiveram condições de agir com eficiência pela ineficiência antecedente e vinculativa dos prepostos da casa bancária.
Mesmo na hipótese de o fato criminoso ter ocorrido fora das dependências da agência bancária, isso não é causa suficiente para afastar a responsabilidade. O alvo é o valor sacado, e o fortuito interno é o fato que, além de ser imprevisível e inevitável, faz parte da atividade, vinculando-se aos riscos do empreendimento.
Inegável que nos casos de “saidinha bancária” sempre fica comprovada a falta de privacidade do consumidor, usuário de serviço do banco, permitindo o acesso visual ostensivo do valor sacado, configurando-se ai também a má prestação do serviço.
Outro ponto importante diz respeito à obrigatoriedade de o cliente ser obrigado previamente a agendar dia e hora para realização do saque do dinheiro por ele desejado.
O prévio agendamento para saque de valores, com designação de dia e hora de exclusivo interesse do banco, deixa o consumidor em situação bastante vulnerável, sem condições de tomar medidas de cautela, evitando ataque dessa natureza, mesmo diante de alguma previsão de tempo dado ao usuário.
Desse modo, se o banco, por seu exclusivo interesse, dispõe acerca da necessidade de prévio agendamento do momento em que se dará o saque do dinheiro, imperioso que se conclua que tal conduta caracteriza responsabilidade objetiva do prestador de serviço.
Jurisprudência acerca do assunto
O Superior Tribunal de Justiça já firmou o entendimento de que a decisão que reconhece o dever do banco em oferecer segurança aos clientes que estão no interior de agência para fazer depósito de dinheiro não contraria o artigo 159 do Código Civil:
“Estabelecimento bancário. Não contraria o artigo 159 do Código Civl o acórdão que reconhece deva o banco oferecer segurança aos clientes que se encontram no interior de agência para fazer depósito de dinheiro. Falhando aquela, pois consumado o assalto. Surge a obrigação de indenizar.” (AgRg no Ag 147133/PB – ministro Eduardo Ribeiro – DJ 25/02/1998)
O mesmo STJ também sedimentou o entendimento de que, no caso de assalto a clientes em ambiente exterior às agências, postos ou assemelhados, é devida a reparação quando o crime ocorrer em áreas sob a administração do empreendedor financeiro ou colocado à disposição do usuário, especialmente estacionamento:
“Civil. Estacionamento comercial vinculado a banco. Oferecimento de vaga para clientes e usuários. Corresponsabilidade da instituição bancária e da administradora do estacionamento roubo. Indenização devida. (...).” (RRsp 503208/SP, min. Aldir Passarinho Junior. Dj 23/06/2008)
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na fronteira do Direito Justo e Legítimo, vem decidindo pela responsabilidade civil dos bancos em caso de “saidinha bancária” conforme se vê da ementa a seguir:
“Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Quinta câmara cível
Apelação cível nº 2009.001.49066
8ª vara cível da comarca de niterói
Apelante: sacar niteroiense automóveis ltda
Apelado: banco amro real s.a
Relator: des. Antonio saldanha palheiro
Responsabilidade civil. “saidinha de banco”. Reserva de numerário de vultosa quantia entregue ao cliente em caixa de deficiente. Ausência de privacidade. Acesso visual do valor sacado por demais usuários do banco. Assalto sofrido pelo cliente ao sair da agência bancária. Dever de cautelas mínimas para garantia do consumidor. Fortuito interno. Responsabilidade do banco configurada. 1- o fornecedor de serviços responde pelos prejuízos causados por defeito na prestação do serviço, consoante dispõe o artigo 14 do cdc. 2- cabe ao banco destinar espaço reservado e sistema que evite exposição dos consumidores que saquem valores expressivos nos caixas de bancos, garantindo a inexistência de exposição aos demais usuários. 3- dever de zelar pela segurança dos destinatários de seus serviços, notadamente quando realizam operações de retirada de valores elevados. Recurso parcialmente provido.”
Resta, portanto, inegável que a responsabilidade do banco, em tais casos, é objetiva, respondendo pelos prejuízos causados por defeito na prestação do serviço, nos termos do artigo 14 do CDC.
Destaque-se que tal responsabilidade somente é afastada mediante prova da culpa exclusiva do consumidor.
Por Hélio Apoliano Cardoso
Fonte: ConJur
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