SUMÁRIO: 1. Considerações iniciais. 2. A construção de acordos proposta pela conciliação e o privilégio da desconstrução de conflitos pretendida pela mediação. 3. A busca da satisfação individual pretendida na conciliação e a procura da satisfação mútua demandada pela mediação. 4. A repercussão das soluções sobre si mesmos cuidada pela conciliação e a repercussão das soluções sobre terceiros, investigada pela mediação. 5. A co-autoria de soluções construída pelas partes e pelo conciliador e a privilegiada autoria das partes perseguida pelo mediador. 6. O atendimento monodisciplinar utilizado pela conciliação e a abordagem multidisciplinar proposta pela mediação. 7. O presente e a culpa focados na conciliação; o futuro e a responsabilidade social objetivados pela mediação. 8. A pauta objetiva destacada pela conciliação e a pauta subjetiva privilegiada pela mediação. 9. A publicidade que caracteriza a conciliação e a confidencialidade proposta pela mediação. 10. Os pareceres técnicos na conciliação e na mediação. 11. Os advogados das partes na conciliação e na mediação. 12. Considerações finais. 13. Referências bibliográficas.
1. Considerações iniciais A chegada da mediação à cultura brasileira vem se fazendo gradativamente. Um dos desafios deste percurso é estabelecer uma adequada distinção em relação à conciliação, instrumento de resolução de conflitos praticado há mais tempo. Por contemplarem ambas a construção de acordos, mediação e conciliação são, por vezes, tomadas como sinônimos. Como a cultura mundial caminha em direção à ampliação de métodos de acesso à justiça, é interessante que possamos então conhecer esta diferenciação com clareza. Visa o sistema multiportas de acesso à justiça – disponibilização de diferentes métodos de resolução
Esse é um dos benefícios dos sistemas multiportas de acesso à justiça e resolução de conflitos: possibilitar o encaminhamento da questão existente para o instrumento de resolução que ofereça maior eficácia e, conseqüentemente, maior eficiência. Se tivermos dois ternos no armário, precisamos eleger um ou outro para ocasiões que demandem o uso de traje formal. Se ampliarmos o número de ternos, podemos ad quar o modelo ao evento, à temperatura e ao horário da ocasião, assim como à maior ou menor formalidade exigida.
Apesar da finalidade conciliatória em comum, mediação e conciliação guardam distinções tão nítidas em seus propósitos e em seu alcance social que vale a pena, nesse momento em que ambas se encontram no mesmo cenário, destacá-las.
2. A construção de acordos proposta pela conciliação e o privilégio da desconstrução de conflitos pretendida pela mediação
Tanto a mediação como a conciliação têm por objetivo auxiliar pessoas a construírem consenso sobre uma determinada desavença. A conciliação tem nos acordos o seu objetivo maior e, por vezes, único. A mediação não tem na construção de acordos a sua vocação maior e, de maneira alguma, seu único objetivo.
A mediação privilegia a desconstrução do conflito4 e a conseqüente restauração da convivência pacífica entre pessoas.
Sabemos que a construção de acordos não garante que seja efetivamente dirimido o conflito entre as partes e, por vezes, chega a acirrá-lo. Todavia, a base da pacificação social reside no restauro da relação social e na desconstrução do conflito entre litigantes. A permanência do conflito possibilita a construção de novos desentendimentos ou de novos litígios; esgarça o tecido social entre as pessoas envolvidas em uma discordância e entre as redes sociais que as apóiam e das quais fazem parte. A permanência do conflito é, portanto, terreno fértil para manter latente a possibilidade de novas discórdias e o ânimo de desavença
entre os grupos sociais de pertinência dos litigantes.
Por dedicar-se ao restauro da relação social e à desconstrução do conflito – o que lhe confere caráter preventivo de amplo alcance social –, a mediação vem sendo considerada o método de eleição ideal ou mais apropriado para desacordos entre pessoas cuja relação vai perdurar no tempo – seja por vínculos de parentesco, trabalho, vizinhança ou parceria.
3. A busca da satisfação individual pretendida na conciliação e a procura da satisfação mútua demandada pela mediação
A mediação propõe uma mudança paradigmática no contexto da resolução de conflitos: sentar-se à mesa de negociações para trabalhar arduamente no atendimento das demandas de todos os envolvidos no desacordo. Na conciliação, as partes sentam-se à mesa em busca, exclusivamente, do atendimento de suas demandas pessoais.
A conciliação guarda ainda uma sintonia com o paradigma adversarial que rege toda disputa, recebendo partes voltadas a encontrar uma solução que melhor as atenda, sem se importar ou, ao menos, considerar o nível de satisfação que o outro lado venha a ter. Algumas vezes, até, os sujeitos das mesas de conciliação entendem como ganho a insatisfação que o resultado possa provocar na outra parte.
As pessoas envolvidas nas mesas de mediação são convidadas, antes mesmo do início do processo (pré-mediação), a trabalharem em busca de satisfação e benefício mútuos. Por se tratar de instrumento recente, e pautado na autonomia da vontade, a mediação é antecedida por uma etapa universalmente chamada de pré-mediação – que esclarecerá sobre os procedimentos e os princípios éticos, assim como sobre as mudanças paradigmáticas propostas pelo instrumento.
Na pré-mediação, um mediador ouve os envolvidos sobre os motivos que os trazem à mediação, a fim de identificar se a escolha do instrumento é pertinente e de eleger um mediador que guarde independência com relação às partes e ao tema. Nesta etapa, é feito o convite para um trabalho que visa atender interesses e necessidades de ambas as partes e atingir uma conseqüente postura de diálogo – não de debate -, e de colaboração – não de competição. Iniciam a mediação apenas as partes que apresentem disponibilidade para essa mudança paradigmática.
4. A repercussão das soluções sobre si mesmos cuidada pela conciliação e a repercussão das soluções sobre terceiros, investigada pela mediação.
A busca da satisfação própria pretendida pela conciliação favorece uma postura que analisa, objetiva e subjetivamente, custos e benefícios do acordado apenas em relação a si mesmo. É nessa avaliação, primordialmente, que se baseia o grau de satisfação obtido com o resultado do processo de conciliação.
Já os mediadores devem auxiliar as partes a avaliar, de modo objetivo e subjetivo, a relação custo-benefício sobre si mesmas e também sobre terceiros direta e indiretamente envolvidos, todos aqueles não presentes à mesa de negociações – filhos, empregados, parceiros afetivos ou comerciais, comunidade – que terão que administrar, também, custos e benefícios do que for acordado.
Diferentemente da conciliação, a realização do processo de mediação em mais de uma reunião é prática usual e permite que as partes possam refletir e conversar com seus pares e com sua rede social6 para com eles avaliar o alcance dessas repercussões.
As redes sociais nos oferecem suporte de diferentes naturezas. Elas são solidárias às nossas angústias e insatisfações. Com elas construímos idéias e soluções a respeito dessas angústias; com elas estabelecemos compromisso de fidelidade sobre como as coisas devem ser conduzidas; com elas necessitamos negociar eventuais mudanças ocorridas no percurso das negociações, de forma a não comprometermos a relação de cumplicidade construída.
Por Tânia Almeida
Fonte: CNJ
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