O mundo da música sabe bem que, na busca dos melhores resultados, é
preciso cuidar de perto da sonorização do instrumento. O mundo da
Justiça não é diferente. Especificamente no mundo da arbitragem, os
juristas parecem ter cumprido esse papel ao consolidar no novo texto
normativo aquilo que a jurisprudência já vinha reconhecendo: a
possibilidade do uso desse meio extrajudicial em conflitos envolvendo a
administração pública.
Embora no contexto internacional o uso de
métodos adequados de solução de disputas já não apresente tanta
resistência, no Brasil ainda havia — e há — uma percepção anacrônica do
que implica a indisponibilidade do interesse público, que mais se
vincula a anseios teóricos que a resultados práticos realmente
satisfatórios.
Sobre esse aspecto, antes mesmo da lei, a
jurisprudência já havia modernizado o entendimento acerca da questão,
uma vez que a arbitragem se encontrava em um momento muito positivo no
país, especialmente após serem ultrapassadas as grandes barreiras
conservadoras enfrentadas na década de 1990 pelo questionamento da
constitucionalidade do texto legal. Era uma lei bem-vista, bem-aceita e
funcional. Vencidos os medos, o resultado foi excelente, notadamente em
razão da mencionada ampliação da arbitralidade em seus limites objetivos
e subjetivos.
Uma administração pública adequada não se limita ao trâmite exclusivamente dos processos judiciais para resolução de pendências.
Em
movimento quase contemporâneo à Lei 13.129/2015, que ampliou a
arbitragem, surge em nosso sistema normativo o marco legal da mediação
(Lei 13.140/2015), como resultado de trabalhos derivados do
desmembramento da mesma Comissão de Juristas. A Lei de Mediação, por sua
vez, teve por finalidade não só estabelecer o uso de métodos
consensuais privados, mas atuar em todo o sistema de Justiça, já que
também possui dispositivos aplicáveis à mediação judicial e aos
processos de consenso implementados por autoridades estatais, como é o
caso da mediação de conflitos que tenham como parte a administração
pública.
O sistema de jurisdição estatal não esgota as formas de realização da Justiça, assim como a partitura não esgota a música.
Assim
também uma administração pública adequada, por óbvio, não se limita ao
trâmite exclusivamente dos processos judiciais para resolução de
pendências, entre si ou envolvendo os cidadãos.
Há ainda a recente
entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, e o cenário aponta
para um sistema de Justiça moderno, plural e cidadão, com vistas claras
ao atendimento de alguns dos mandamentos constitucionais.
A
Constituição da República não tardará em completar seu 30º aniversário.
Se aplicada a perspectiva literária de Balzac, talvez seja esse o
momento em que ela denote sua plenitude. Madura o suficiente para trazer
segurança e harmonia ao sistema, mas com o espírito jovem o bastante
para ter abertura aos tempos contemporâneos. Foi com a carta
constitucional que o Brasil se redemocratizou, e agora observa a
afirmação da cidadania, cuja forma principal se traduz na explosão de
demandas judiciais perante um novo juiz, o "guardião das promessas
constitucionais".
O sistema de administração de Justiça não passa
somente pelo Judiciário, protagonista dessa missão. Ele requer também o
aprimoramento da administração pública. Ele diz respeito ao engajamento
de outras autoridades. Boa parte das dificuldades hoje enfrentadas advêm
de problemáticas públicas gestadas em outras estruturas do Estado que,
não resolvidas, chegam à apreciação de magistrados. Evidência disso é a
grande participação da administração (municipal, estadual e federal)
nesses números que assombram o Judiciário, algo perto da metade de todas
as demandas em tramitação.
O retrato estatístico aponta para uma
cultura da transferência decisória no lugar do uso de processos de
tomada de decisão sérios e eficientes, que extrapola a esfera do cidadão
comum e é radicada no seio da administração pública.
Paradoxalmente, o Estado-Administração é o maior cliente do Estado-Jurisdição. Segundo
pesquisa da Associação de Magistrados Brasileiros, só em São Paulo —
que concentra 40% de todos os processos do país — mais da metade das
ações é ajuizada pelo poder público (2010/13). Os dados mencionados
confirmam a urgência em repensar a gestão e o uso de métodos
extrajudiciais pela administração pública, seja entre seus próprios
entes, seja em relação aos cidadãos.
As novidades normativas
trazidas tanto pela arbitragem, quanto pela Justiça "suave" dos
mecanismos consensuais, são instrumentos comuns em disputas privadas,
mas que comportam recomendável aplicação na esfera pública. Aguarda-se,
portanto, para breve, a regulamentação por parte da Advocacia-Geral da
União das regras necessárias para se colocar em prática a mediação no
âmbito do setor público.
Por Juliana Loss de Andrade é professora de mediação na EMERJ. Integrante da iniciativa FGV Mediação da FGV Projetos.
Fonte: ConJur
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