Entrevista: Minª. Nancy Andrighi
Para a ministra e corregedora Nancy Andrighi, a escolha correta do meio de composição extrajudicial influencia no ganho de tempo e no valor final do acordo.Entre os muitos benefícios em se utilizar um Método Extrajudicial de Solução de Conflitos (MESC), estão a celeridade no fim do litígio, a economia em gastos financeiros - que geralmente são grandes em um processo judicial – e a possibilidade de criar posteriormente uma relação não conflituosa entre as partes.
Segundo Nancy Andrighi, ao desafogarem a Justiça, os MESCs beneficiam a sociedade por permitir que os juízes se voltem a conflitos em que a composição não seja possível, bem como o estudo mais aprofundado sobre questões de maior complexidade, como os novos tipos de família. Defensora dos MESCs, a ministra apoia incondicionalmente a inserção de disciplinas de mediação e arbitragem como cadeiras obrigatórias nos cursos de direito no Brasil.
Atualmente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) incentiva a implantação de varas especializadas em arbitragem e a capacitação de profissionais para atuação em mediação e conciliação. De seu lado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) estimula as formas extrajudiciais de solução de conflitos por meio de julgados e também em ações dos próprios ministros, que buscam meios extrajudiciais para solução de controvérsias.
Nancy Andrighi é Corregedora Nacional de Justiça e ministra do STJ. Iniciou sua carreira na Justiça gaúcha, passando pela Justiça do Distrito Federal, até chegar ao STJ e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde também exerceu a função de corregedora.
Em junho de 2014, a ministra teve sua indicação para o CNJ aprovada por unanimidade na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. Na sabatina, Nancy Andrighi respondeu a questões sobre similaridade da Justiça brasileira com a de outros países, rigor das penas, penas alternativas, equilíbrio entre os poderes do estado e a importância da mediação.
Confira a seguir entrevista concedida a Resultado.
De que forma os métodos extrajudiciais de solução de conflitos podem ser vantajosos para empresários, consumidores e a sociedade como um todo?
R. Antes de responder especificamente o questionamento, é preciso frisar que os métodos de composição extrajudiciais de litígios têm naturezas distintas uns dos outros, indo desde a arbitragem – verdadeira jurisdição não estatal – até a conciliação. Cada espécie – arbitragem, mediação e conciliação – adequa-se melhor a um determinado tipo de litigante ou de litígio, v.g., o comum uso da arbitragem no meio empresarial.
Assim, existindo a escolha correta do meio de composição extrajudicial, não apenas os atores diretamente envolvidos ganharão em tempo e, não raras vezes, no próprio valor final, pois, mesmo quando na composição se abdica de uma fração do bem da vida perseguido, ganham as partes no desembaraço que o término da contenda automaticamente lhes outorga, permitindo, por exemplo, a liberação de patrimônio gravado, ou o usufruto imediato de um bem, entre outras possibilidades.
O fim do litígio de forma mais célere, faz esvanecer as limitações que esse mesmo litígio produziria para as partes, se adotada a ortodoxa solução da jurisdição estatal. Ganha também a sociedade, por ter o aparato estatal voltado para querelas onde a composição não é possível, bem como no aprofundamento dos estudos do juiz para questões mais complexas, por exemplo, novos tipos de família.
De que forma as câmaras de conciliação e mediação podem colaborar com o Poder Judiciário?
R. Particularizando o que foi dito anteriormente em relação ao ganho social, o Poder Judiciário se beneficia, objetivamente, com a redução de conflitos que aportam ao sistema, ou ainda, com a sua solução sem a necessidade de movimentação de toda a máquina estatal – na hipótese de mediação e conciliação incidentais.
Mas há, creio, reflexo subjetivo que vejo como igualmente relevante, consistente na crescente percepção pelos operadores de direito, e também pelas partes, de que existem fórmulas outras para se solver os litígios sociais, que podem se mostrar mais efetivos do que a própria jurisdição.
Essa percepção não trará frutos imediatos, mas como uma árvore plantada, daqui a algum tempo, talvez transmude a cultura do embate jurisdicional como regra, para o universo da excepcionalidade.
Existem debates sobre a inserção de disciplinas de mediação e arbitragem como cadeiras obrigatórias do curso de direito, um dos mais demandados no Brasil. Qual é sua opinião a respeito?
R. Apoio incondicionalmente a ideia. Sendo defensora dos meios extrajudiciais de solução dos conflitos, vejo na disseminação de uma teoria por trás do sistema, ao lado dos resultados práticos, a melhor fórmula para se inculcar nas pessoas, novo paradigma.
O conhecimento do sistema extrajudicial imprime, nesses novos profissionais, parâmetros diversos do que nós outros tivemos em nossa formação acadêmica e, reconhecidamente, é mais fácil apreender uma forma de agir do que ter que reapreender padrões já cristalizados.
Daí caber a nós, que temos a visão dos benefícios que as soluções extrajudiciais podem trazer aos jurisdicionados, sermos os principais estimuladores da popularização dessas cadeiras nos cursos de direito.
A senhora anunciou no ano passado a criação de duas varas especializadas em mediação e arbitragem em cada capital brasileira. Como está o andamento desse processo?
R. A meta em comento prevê a especialização de duas varas já existentes, apenas para discutir matérias afetas à mediação e arbitragem, isso, no decorrer do ano de 2015. No entanto, a implementação e operacionalização das ações necessárias à consecução desse objetivo estão afetas aos respectivos Tribunais Estaduais, pois a eles competem a gestão local das macro determinações originadas do CNJ, sendo que alguns dependem de Lei Estadual para alterar o Código de Organização Judiciária. O Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por exemplo, no último dia 31 de março, já teve essa alteração legal sancionada.
O que o CNJ e o STJ têm feito para incentivar as formas extrajudiciais de solução de conflitos? Qual a importância dessas ações?
R. É um dos motes da atual presidência do CNJ “potencializar a desjudicialização, por meio de formas alternativas de solução de conflitos, compartilhando, na medida do possível, com a própria sociedade, a responsabilidade pela recomposição da ordem jurídica rompida” [Fonte:http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/77276-cnj-lanca-diretrizes-de-gestao-para-bienio-2015-2016].
Nesse sentido, a já citada meta de implantação de varas especializadas em arbitragem é iniciativa da Corregedoria Nacional de Justiça, que vai ao encontro do projeto maior, da mesma forma que a capacitação de profissionais para atuação em mediação e conciliação tem sido uma das bandeiras defendidas, e internamente implementada, por meio de treinamentos patrocinados pelo CNJ.
O STJ, por seu turno, tem agido no sentido de incentivar as formas extrajudiciais de solução de conflitos, tanto por meio de seus julgados, que sempre procuram prestigiar os preceitos e suas desinências quando postos em cheque por meio de recursos, como ele próprio, por meio de seus Ministros, têm adotado, com crescente entusiasmo, a busca desses meios extrajudiciais na solução de demandas que aportam àquele órgão.
Como a senhora avalia a aprovação da Lei de Mediação no país? Quais serão os principais benefícios?
R. A aprovação da Lei de Mediação em nosso país abre novos caminhos para a composição dos litígios, principalmente para aqueles que litigam em ações que envolvem delicados aspectos emocionais da vida. Nesses tipos de conflitos, tem-se como benefícios mais evidentes, a diluição do conflito existente entre as partes, que substituirá uma imposição estatal sobre quem deve prevalecer em uma determinada contenda. Por esse método, quando o mediador chama os cidadãos a pensarem no futuro, expurga a dor trazida do passado e abre espaço para o estabelecimento de um relacionamento mais pacífico no dia a dia.
Com as novas legislações, como o novo CPC e o Marco Legal da Mediação, como o Poder Judiciário está se preparando para capacitar os mediadores, visto que poderá haver um aumento considerável na utilização da Mediação como forma de resolução de conflitos?
R. A capacitação dos profissionais que irão atuar na mediação não será feita pelo Poder Judiciário, mas sim por escolas de magistratura ou pela Escola Nacional de Mediação, do Ministério da Justiça, e ainda, por outras instituições que venham a receber o credenciamento da ENAM [Escola Nacional de Mediação].
R. A capacitação dos profissionais que irão atuar na mediação não será feita pelo Poder Judiciário, mas sim por escolas de magistratura ou pela Escola Nacional de Mediação, do Ministério da Justiça, e ainda, por outras instituições que venham a receber o credenciamento da ENAM [Escola Nacional de Mediação].
De que forma a Lei de Mediação vai alterar o mercado de trabalho para mediadores e /ou advogados?
R. Para além do óbvio nicho de mercado que irá se abrir para os profissionais do Direito e de outras áreas, que resolvam se especializar em mediação, e toda a cadeia de treinamento daí decorrente, que será igualmente incrementada, espero que estejamos plantando, também, uma semente para descobrir novos vocacionados para a magistratura, que a partir do contato com a mediação se embrenharão para dentro dos lindes do processo, podendo, a partir dessa experiência, despertar a vocação para a carreira da magistratura.
Fonte: Revista Resultado
nº 54
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