sábado, 9 de abril de 2016

Da cultura da sentença para a pacificação

Um novo horizonte
Para empresas, ser parte numa ação judicial pode ser sinônimo de muita dor de cabeça. Além da perda financeira e do desgaste emocional, outro grande prejuízo é em relação à imagem da instituição. “São necessários 20 anos para construir uma reputação e apenas cinco minutos para destruí-la”, dizia o Oráculo de Omaha, Warren Buffett, reconhecido como o investidor mais bem sucedido do século XX.
 
A fim de incentivar a solução pacífica de conflitos e conscientizar empresários a respeito das vantagens dos métodos extrajudiciais, a Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), por meio de sua Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem Empresarial (CBMAE), lançou o Pacto pela não Judicializaçãode Conflitos, em 23 de setembro, na sede da Associação Comercial de São Paulo (ACSP). A iniciativa contou com o apoio do Sebrae, Poder Judiciário e parceiros locais em cada estado.
 
O lançamento ocorreu simultaneamente ao Encontro pela Solução Pacífica de Conflitos Empresariais que, oferecendo palestras com especialistas, teve versões diferentes no Maranhão, Acre, Rio Grande do Sul e Mato Grosso. “A intenção é conscientizar os empresários de que há formas mais inteligentes para resolver seus conflitos”, afirma Eduardo Vieira, coordenador da CBMAE.

Segundo José Silva Sobral Neto, gerente jurídico da Companhia Energética do Maranhão (Cemar), o Judiciário está estrangulado com a quantidade de processos que tramita, o que dificulta o acesso à justiça. “A solução mediada ou consensuada, além de ser mais profícua, traz uma antecipação da solução do litígio. É uma pacificação social mais legítima. Não que o judiciário não seja legítimo, mas, uma vez instaurado o litígio, pode-se levar de 10 a 20 anos para que o Estado diga o direito aplicado ao caso. Nesse período, muito capital foi imobilizado e muito recurso público foi investido até a efetiva solução”, observa.
 
De 2005 a 2010, o número de processos dos quais a Cemar passou a fazer parte teve um crescimento exacerbado. Segundo Sobral Neto, o crescimento foi de 352%. “Isso trouxe também uma série de impactos não financeiros, como na rotina da empresa, na administração interna, na área técnica, enfim, toda a nossa ação empresarial ficou impactada”, revela.
 
A fim de solucionar o problema, a empresa tomou uma série de medidas, como criar mecanismos de conciliação interna, aderir aos mutirões do Tribunal de Justiça do Maranhão e criar câmaras de conciliação para trabalhar os maiores litígios. “Com isso, passamos a observar uma reversão no quadro em que nos encontrávamos”, declara o advogado.

Sobral Neto palestrou para empresários no Encontro ocorrido em São Luís (MA) e participou da mesa de debates junto a outros especialistas.

Alta litigância prejudica imagem do país
A alta litigância no Brasil compromete a imagem do país para investimentos. O relatório Doing Business, do Banco Mundial, que acompanha o ambiente de negócios em 185 países, classificou o Brasil, em 2015, como o 120º país mais fácil para se realizar negócios.

O Brasil sempre foi visto como um país de cultura litigante, com inúmeros conflitos entre os cidadãos comuns, empresas e, principalmente, o próprio Estado. A situação gera fortes repercussões econômicas, dentre elas o retardamento na recuperação judicial de créditos e a elevação do spread bancário. George Pinheiro, diretor financeiro da CACB, defende a conscientização dos empresários.“Na melhor das hipóteses, um processo judicial leva dois ou três anos para ser solucionado, porém, em média, esse tempo sobe para dez anos. Por meio da mediação ou da conciliação, o empresário pode obter uma solução com mais agilidade e melhores resultados financeiros”, destaca.
 
Tramitam na justiça atualmente mais de 105 milhões de processos, custando em média cada um cerca de R$ 4,3 mil. Parte desse custo recai sobre as empresas, que acabam, consequentemente, perdendo oportunidades de lucro e grau de competitividade. Segundo o último Relatório Justiça em Números, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dos quase 100 milhões de processos que tramitaram em 2014, apenas 28,6% foram solucionados. O restante compõe um estoque que a Justiça vê aumentar continuamente desde 2009. Em 2014, por exemplo, foram baixadas 28,5 milhões de ações, contudo entraram mais 28,9 milhões.
 
Já foi constatado que a Justiça brasileira é a mais cara do ocidente. O Judiciário gasta, por habitante, cerca de R$ 306,00, número muito superior em valores absolutos ao que gastam países como a Suécia (€ 66,7), Holanda (€ 58,6), Itália (€ 50), Portugal (€ 43,2), Inglaterra (€42,2) e Espanha (€ 27). Segundo documento em andamento no Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o montante global do Judiciário alcançou em 2013 R$ 62,3 bilhões, valor superior ao PIB anual de 12 estados brasileiros.
 
Todos são parceiros e atores na solução de conflitos
Para Victor Moraes de Andrade, presidente da Associação Brasileira das Relações Empresa Cliente (Abrarec), o controle sobre o número de litígios não depende só de uma parte. “Todos são parceiros e atores na solução de conflitos. Isso não depende só da empresa, mas também do consumidor e do Judiciário.”
 
A análise de recursos financeiros, como gastos com um cliente determinado, publicidade, valor investido pelo cliente na empresa, entre outros, permite verificar o lucro que esse cliente traz para a empresa num certo período. É o que se denomina large time-varying. “Isso ajuda a analisar o ganho financeiro que se tem ao resolver um problema.  A grande dificuldade é calcular o valor do intangível. Quanto vale um cliente satisfeito? Hoje, algumas técnicas de contabilidade já possibilitam fazer esse cálculo”, afirma Victor.
 
Uma medida muito importante para evitar e prevenir conflitos é ouvir o cliente. “As empresas têm que fazer isso, porque, do contrário, alguém vai ouvi-lo. E esse alguém pode ser o Judiciário, o Procon, um advogado ou outro profissional que veja o conflito como uma verdadeira fonte de renda. Afinal, o conflito se tornou um grande negócio hoje”, aponta.
 
Atualmente, para se informar sobre os litígios envolvendo uma determinada empresa, basta acessar os sites dos tribunais, Procons, o canal governamental do consumidor (www.consumidor.gov.br) e o Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor, além, é claro, dos canais privados de reclamação, a imprensa e as redes sociais. “Com os inúmeros canais de acesso, qualquer pessoa pode saber quem está insatisfeito com quem a qualquer momento. O Brasil, em se tratando de tribunais de justiça, é o país que mais oferece dados abertos de reclamação e processo,” observa Moraes. 

Em alguns desses canais, é possível ver o número de reclamações sobre a empresa e até o motivo do conflito. “Existe um processo de transparência e exposição gigantesca de todas as empresas que não solucionam seus problemas. Se a ouvidoria ou outro canal de reclamação da empresa não atendem o cliente, o Procon fará isso. Sempre haverá alguém para ouvir esse cliente insatisfeito.”
 
Segundo dados apresentados por Victor, as empresas gastam em média cerca de 2% de seu faturamento com conflitos. Os ganhos promovidos pela conciliação são muito propícios ao desenvolvimento de um negócio. “Quando não ocorre negociação, mais de 64% dos clientes veem a empresa com maus olhos, contudo, havendo a negociação, quase 30% dos clientes passam a enxergar a empresa de forma positiva, apesar do conflito que culminou na sessão de conciliação”, explica. A justiça custa para o país quase R$ 50 bilhões por ano. Em termos de população economicamente ativa, cada cidadão paga anualmente R$ 500,00 para manter o Poder Judiciário. “Isso porque, segundo o IPEA, temos 60% de demanda reprimida, isto é, 60% dos brasileiros lesados em seus direitos não reclamam”, informa o presidente da Abrarec.
 
“Na Abrarec, trabalhamos com o conceito de custo social, ou seja, quanto a empresa, o consumidor e o Estado gastam com um conflito. Um processo julgado custa em média R$ 2 mil para o Estado e entre R$ 3 e 4 mil para empresas. Com isso, temos que muitas ações judiciais custam mais do que o objeto pleiteado na ação.”
 
Termo de cooperação
A Abrarec e a CACB assinaram um termo de cooperação institucional visando o desenvolvimento de atividades voltadas ao fomento da Cultura da Mediação Empresarial. A intenção é promover, em parceria, palestras de sensibilização, eventos, consultorias, visitas e capacitações, entre outros.
 
Além disso, as entidades se comprometem em promover redes de oportunidades entre seus associados, além de desenvolver uma proposta de Política Nacional de Relações de Consumo, baseada na cultura do relacionamento entre empresas e consumidores em todos os níveis de atividade econômica.

Fonte: Revista Resultado
nº 54

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