quinta-feira, 10 de junho de 2010

A ABORDAGEM LEGALISTA DA MEDIAÇÃO NA ITÁLIA ATRAVÉS DO DECRETO LEGISLATIVO N. 28/2010


Visão européia
A Mediação, em termos gerais, pode ser analisada como um processo novo, em termos de emergência no contexto jurídico, mas antigo, em termos de universalidade atemporal (ALEXANDER, 2003). O moderno procedimento de mediação como forma de solução alternativa de conflitos, tal como posto hoje, é fruto de um movimento surgido na década de setenta nos Estados Unidos, também conhecido como Alternative Dispute Resolution (ADR), o qual expandiu-se para o Reino Unido na década de oitenta e para os países romano-germânicos (civil law) a partir da década de noventa.

A União Europeia, especificamente, tem aumentado seu interesse em meios alternativos de solução de conflito. Prova disso é a publicação em 2002 de materiais de discussão sobre mediação e arbitragem em conflitos cíveis e comerciais, ressaltando a importâncias dos meios alternativos de solução de conflito e de seus potenciais de utilização pelos Estados-Membro (BILLIET, 2008).

A discussão no âmbito Europeu culminou com a Diretiva 58/2008, que estabeleceu parâmetros para a implementação do procedimento de mediação pelos Estados integrados na União Europeia.

Dentre os países que implementaram mudanças legislativas, a Itália se destaca como uma das nações que mais aprovou leis sobre mediação e solução alternativa de conflitos, promulgando recentemente, através de seu Parlamento, o Decreto Legislativo n. 28, de 4 de Março de 2010, que estabeleceu a utilização compulsória do procedimento de mediação em litígios cíveis e comerciais, bem como positivou procedimentos da mediação e determinou conceitos para a melhor compreensão de tal procedimento de solução de conflitos.

Entretanto, apesar das inúmeras mudanças na legislação italiana desde o início da década de noventa, poucas mudanças efetivas ocorrem na cultura jurídica do país, que empiricamente tem evitado a utilização da mediação (DE PALO, 2005).

Neste artigo, analisaremos alguns possíveis fatores para a inefetividade da mediação na cenário italiano dentro da abordagem legalista. Neste viés, observaremos o contraste que existe na Itália entre a produção legislativa em prol das soluções alternativas de conflito e as ações públicas que visam modificar a cultura litigante italiana.

Com tal análise, objetiva-se trazer a discussão também para o âmbito brasileiro, considerando a proposta do anteprojeto do Novo Código de Processo Civil em implementar a mediação pré-judicial obrigatória em casos cíveis e comerciais.

AS DIFERENTES ABORDAGENS DA MEDIAÇÃO NA EUROPA

Giuseppe De Palo, doutrinador italiano e professor da Hamline University School of Law, em St Paul, Minnesota, estabelece três abordagens distintas da mediação na Europa: a cultural, a pragmática e a legalista (DE PALO, 2005).

A primeira, cultural, é o modelo adotado unicamente pela Suíça, seguindo o modelo educacional estaduniense, através de treinamentos em mediação oferecidos por instituições públicas e privadas, bem como inúmeros programas especializados em treinamento comercial de mediadores. Como resultado, o processo de mediação é bem conhecido em todo o país (MEIER, 2003).

A abordagem pragmática, por outro lado, é aquela presente na Holanda e Dinamarca, caracterizada por projetos pilotos a longo-prazo para implementação da mediação, com o apoio dos Tribunais e do sistema judiciário. Tais ações práticas são acompanhadas por esforços educacionais e conscientização dos benefícios da mediação, com o objetivo de estimular a criação de organizações específicas para esse fim (DE ROO; IAGTENBERG, 2003).

A terceira abordagem, a legalista, é aquela adotada por países como França, Alemanha, Espanha, Grécia e a Itália, considerada a maior expoente deste movimento. Nestes países, conforme De Palo, os impactos dos esforços institucionais tem sido muito menos significativos do que nos países que adotaram a abordagem pragmática. A Itália, por exemplo, é o país com o maior número de leis sobre mediação. Entretanto, é um dos países que menos leva à sério tal método de resolução de conflitos.

A ABORDAGEM LEGALISTA ITALIANA NAS ÚLTIMAS DÉCADAS FACE AO PROBLEMA CULTURAL DA MEDIAÇÃO

Em 1991, o Parlamento Italiano criou uma nova posição jurisdicional no âmbito municipal, o Giudice di Pace. O Juiz de Paz, além de desempenhar funções judiciais tradicionais sobre assuntos de pequenas causas, poderia exercer a função de medidor, a pedido de uma das partes.

Em 1993, o Parlamento aprovou a Lei nº. 580, que permitiu que as câmaras de comércio criassem serviços de mediação. Desde então, mais de 100 câmaras de comércio criaram centros de conciliação dentro da Itália. Em 1998, através da Lei nº. 192, uma lei impôs a mediação pré-judicial em casos que envolvessem questões comerciais, que poderiam ser resolvidas por tais centros criados pelas próprias câmaras de comércio ("le controversie relative ai contratti di subfornitura di cui alla presente legge sono sottoposte al tentativo obbligatorio di conciliazione presso la camera di commercio, industria, artigianato e agricoltura nel cui territorio ha sede il subfornitore, ai sensi dell'articolo 2, comma 4, lettera a), della legge 29 dicembre 1993, n. 580").

Em Janeiro de 2003, o governo italiano utilizou-se de decretos legislativos para estabelecer o registro nacional de organizações privadas e públicas de mediação, chamado Organismi di Conciliazione, mantido pelo Ministério da Justiça. O decreto estabeleceu que os acordos de mediação feitos por instituições cadastradas em tão órgão governamental teriam eficácia executiva.

Em Maio de 2008, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia aprovaram a Diretiva nº. 58/2008, com a mensagem expressa de que "a mediação não deverá ser considerada uma alternativa ao processo judicial". A Diretiva contém 14 artigos, estipulando os padrões básicos para a mediação em todos os Estados-Membro da UE. No art. 1, por exemplo, deixa claro o objetivo da Diretiva: "O objectivo da presente directiva consiste em facilitar o acesso à resolução alternativa de litígios e em promover a resolução amigável de litígios, incentivando o recurso à mediação e assegurando uma relação equilibrada entre a mediação e o processo judicial".

Estabelece também, no art. 3º., a definição de mediação com um "processo estruturado, independentemente da sua designação ou do modo como lhe é feita referência, através do qual duas ou mais partes em litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo sobre a resolução do seu litígio com a assistência de um mediador. Este processo pode ser iniciado pelas partes, sugerido ou ordenado por um tribunal, ou imposto pelo direito de um Estado-Membro". E em seu art. 4º., deixa claro que os Estados devem incentivam, por todos os meios adequados, o desenvolvimento e a adesão de códigos de conduta pelos mediadores e organismos que prestem o serviço de mediação. Com isso, pretende a União Europeia garantir que a mediação seja conduzida de modo eficaz, imparcial e competente.

Em razão da Diretiva do Parlamento Europeu, o Parlamento Italiano aprovou em 04 de Março de 2010 o Decreto Legislativo n. 28, 4 marzo 2010, o qual foi publicado no Diário Oficial no dia seguinte.

O Decreto estipula em seus 24 artigos todo o procedimento de mediação na Itália, trazendo algumas novidades, como por exemplo a possibilidade do pedido de mediação, que pode ser feito por uma das partes, a qualquer momento, para que o processo judicial seja remetido a um dos órgãos de mediação credenciados no Organismi di Conciliazione, nos casos de litígios comerciais e civis e o tempo limite de quatro meses no procedimento de mediação ("art. 6 - Il procedimento di mediazione ha una durata non superiore a quattro mesi").

Entretanto, o que mais chama atenção neste Decreto Legislativo é a imposição, ou obrigatoriedade, do procedimento de mediação perante novas demandas judiciais civis e comerciais. No art. 5, fica claro que uma das condições da ação é a existência prévia de mediação ou conciliação, nos termos da legislação italiana: "Chi intende esercitare in giugizio un'azione relativa ad una controversia in materia di condominio, diritti reali, divisione, successioni ereditarie, patti di famiglia, locazione,, comodato, affitto di aziende, risarcimento del danno derivante dalla circolazione di veicoli e natanti, da responsabilità medica e da diffamazione con il mezzo della stampa o con altro mezzo di pubblicità, contratti assicutativi, bancari e finanziari, è tenuto preliminarmente a esperire il procedimento di mediazione ai sensi del presente decreto ovvero il procedimento di conciliazione previsto dal decreto legislativo 8 ottobre 2007, n. 179, ovvero il procedimento istituito in attuazione dell'articolo 128-bis del testo unico delle leggi in materia bancaria e creditizia di cui al decreto legislativo 1º settembre 1993, n. 385, e successive modificazioni, per le materie ivi regolate. L'esperimento del procedimento di mediazione è condizione di procedilibità della domanda giudiziale. L'improcedibilità deve essere eccepita dal convenuto, a pena di decadenza, o rivelata d'ufficio dal giudige, non oltre la prima udienza. Il giudice ove riveli che la mediazione è già iniziata, ma non si è conclusa, fissa la succssiva udienza dopo la scadenza del termine di cui all'articolo 6."

Portanto, frisa-se novamente, o procedimento de mediação em casos específicos (questões de condomínio, direitos reais, divisões, comodato, sucessão hereditária, locação, etc) tornou-se condição de admissibilidade da ação judicial. E mais um fato curioso. Mesmo sendo obrigatória ou exigida como condição formal da ação judicial, o procedimento de mediação e seus atos não são submetidos à formalidade, podendo seguir o rito procedimental específico de cada organismo de mediação (art. 3).

Não obstante a crescente onda legislativa Europeia em prol da mediação, constata-se na Itália que a mediação ainda não é compreendida de forma plena nas Universidades, nos escritórios de advocacia e nas ruas.

Pesquisas apontam que, no âmbito comercial, "68% dos advogados italianos nunca aconselharam o uso da mediação antes de ingressar com uma ação judicial" (DE PALO, 2005, 474) e que apenas 5% dos advogados contratados por empresas italianas sugeriram a utilização de um mediador em litígios.

Isso aponta para uma contradição na abordagem legalista da mediação italiana. Enquanto leis e decretos são aprovados, impondo a utilização da mediação, os profissionais italianos não estão advogando em favor da mediação.

Portanto, constata-se uma antipatia aos métodos alternativos de solução de conflitos enraizada na cultura italiana. Soma-se a esse fato, "a inclinação da classe dominante na manutenção do status quo" (DE PALO, 2005, p. 476), bem como o instinto de preservação dos advogados em manter a tradicional perspectiva do processo, como algo distante do cidadão comum.

CONCLUSÕES

Nos parece que há um grave problema cultural com relação à mediação, não só na Itália, mas em todo o mundo. A Suíça, conforme Isaak Meier, é o país que melhor utiliza a mediação, pelo simples fato de já existir uma forte cultura de negociação e diálogo na história do país, conhecido por sempre optar pela paz mesmo em períodos bélicos, e pela pré-existência dos Juízes de Paz (Juges de Paix) e pela figura do Ombudsman (funcionário público ou privado encarregado em ouvir críticas, reclamações e problemas, com o objetivo de estabeceler o diálogo entre as partes), antes mesmo das recentes ondas de imposição do procedimento da mediação por parte da União Europeia.

Por fim, podemos nos questionar: até que ponto a abordagem legalista da mediação é efetiva? A experiência italiana não nos mostra a necessidade de se introduzir a mediação com medidas de médio e longo prazo, como a introdução da disciplina de teoria e prática de mediação nos próprios bancos universitários? No Brasil, com a simples adoção da mediação obrigatória no novo Código de Processo Civil, não estaríamos repetindo o mesmo erro italiano?

A experiência vicária tem algo a nos ensinar

Por Rafael Augusto F. Zanatta
Fonte: Blog Cadernos de Estudos Jurídicos

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