sábado, 17 de setembro de 2011

Embate das formas de Justiça

Jurisprudência Nacional
TRIBUNAL DE ALÇADA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

E M E N T A
EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA – AÇÃO DE DESPEJO – CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA – JURISDIÇÃO COMUM AFASTADA - JUÍZO ARBITRAL – FORO COMPETENTE.

A existência de cláusula compromissória, convencionando solução de conflitos decorrentes do contrato através de juízo arbitral, gera a extinção do processo sem o julgamento do mérito, quando alegada pela parte contrária, pois nenhum dos contratantes poderá arrepender-se da opção feita sem a concordância do outro.

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível Nº 402.474-6 da Comarca de JUIZ DE FORA, sendo Apelante(s): MIRIAN LABOISIERI MATA DIZ e Apelado(a)(s): FERNANDO SÉRGIO DE OLIVEIRA; Interessados: JOSÉ ROBERTO MARCHETTI E OUTROS,
ACORDA, em Turma, a Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais NEGAR PROVIMENTO, VENCIDO O JUIZ SEGUNDO VOGAL.
Presidiu o julgamento o Juiz JOSÉ AFFONSO DA COSTA CÔRTES (2º Vogal vencido) e dele participaram os Juízes D. VIÇOSO RODRIGUES (Relator) e JOSÉ FLÁVIO ALMEIDA (1º Vogal).
Belo Horizonte, 27 de novembro de 2003.
DR. JUIZ D. VIÇOSO RODRIGUES
Relator
JUIZ JOSÉ AFFONSO DA COSTA CÔRTES
2º Vogal vencido

V O T O S
O SR. JUIZ D. VIÇOSO RODRIGUES:
Trata-se de recurso de apelação interposto por MÍRIAN LABOISIERE MATA DIZ, contra a r. sentença que acolheu a preliminar aduzida na presente exceção, argüida por FERNANDO SÉRGIO DE OLIVEIRA, invocando a competência do juízo arbitral, julgando extinto o processo principal sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, VII do CPC.

Insurge-se a apelante contra a r. decisão, alegando, inicialmente, que o Tribunal Arbitral não mais existe na cidade de Juiz de Fora, conforme noticiado nos autos, restando impossibilitado o julgamento por aqueles árbitros, devolvendo-se ao Judiciário a competência para solução da questão.
Ressalta, ainda, que no mesmo contrato de locação foi pactuado na cláusula 12ª que o foro da Comarca de Juiz de Fora seria competente para as ações oriundas do não cumprimento do contrato. Ficaria, assim, à escolha das partes onde postulariam suas ações.

Além disso, pretende a apelante o afastamento da decisão, em virtude de ser o pedido inicial composto de duas ordens, uma pessoal, que seria o despejo requerido, e outro de ordem patrimonial, relativo aos valores devidos. Em decorrência, não se poderia adotar o juízo arbitral, porque a Lei 9.307/96 somente pode ser adotada para solucionar litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

Não seria também possível apreciação de pedido de despejo compulsório pelo juízo arbitral por tal motivo, sendo que a sentença não apreciou o argumento, restando omissão que deve ser sanada.

Assim, o juízo arbitral não teria competência para solucionar o despejo, porque não teria poder coercitivo para executar suas decisões, não podendo se entender de outra forma, porque seria dar ao árbitro poderes de um Juiz de Direito, em afronta clara à Constituição.

A apelante afirma também que se deve distinguir compromisso arbitral de cláusula compromissória. Esta última representaria apenas uma promessa de pactuar eventualmente no futuro um compromisso, que pode ou não chegar ao juízo arbitral se não houver acordo entre os litigantes. Conseqüentemente, se a parte não aceitar a arbitragem restará a possibilidade de acionar o Judiciário.

Pretende, então, a apreciação da questão pelo Poder Judiciário já de imediato, em virtude da inexistência de poder coercitivo e executório do juízo arbitral.

Alega mais a apelante estar equivocada a r. decisão ao reconhecer o presente processo incidental de exceção, pois, como ela mesma reconhece, a matéria da arbitragem somente poderia ser argüida em preliminar de contestação, o que não foi feito pelo apelado, encontrando-se, portanto, preclusa.

Por fim, requer a reforma da decisão no que se refere às custas e honorários, pois teria imposto a condenação, sem esta ter sido requerida, implicando em julgamento extra petita, devendo, ainda, ser suspensa, nos termos da Lei 1.060/50, por não ter condições no momento de arcar com tais despesas.

Em contra-razões (f. 56-70, TA), aduz em preliminar o apelado deserção do recurso, por não ter sido requerido pela apelante o benefício da assistência judiciária em procedimento adequado, e ainda por não haver prova da modificação na condição financeira da autora.

No mais, alega a ilegitimidade passiva da autora, irregularidade em sua representação na assinatura do contrato, matérias que, ressalta-se, estariam a ultrapassar o âmbito das contra-razões, insistindo na manutenção da sentença, em razão da competência do juízo arbitral, insurgindo-se, ainda, contra os valores cobrados.
Tendo em vista tratar-se o pagamento do preparo de um dos pressupostos para a admissibilidade recursal, passo à análise da preliminar aduzida pelo apelado, insurgindo-se contra a concessão do benefício.

No entanto, não vejo como prosperar seu inconformismo, pois não há nos autos nenhuma informação ou prova que possa infirmar a declaração de miserabilidade apresentada pela apelante em fase recursal, o que é suficiente para concessão da assistência gratuita, já que institui a Lei 1.060/50 presunção de veracidade em favor da pessoa física, que pode e deve ser elidida por prova cabal em contrário, a ser realizada pela parte contrária, que neste caso não a apresentou.

Assim vem decidindo a jurisprudência:
“A declaração de insuficiência de recursos é documento hábil para o deferimento do benefício da assistência judiciária gratuita, mormente quando não impugnada pela parte contrária, a quem incumbe o ônus da prova capaz de desconstituir o direito postulado” (RTJ 158/963).
“Para que a parte obtenha o benefício da assistência judiciária, basta a simples afirmação da sua pobreza, até prova em contrário” (RSTJ-7/414; RF- 329/236, RT-755/182).
Neste esteio, já que dispôs a lei e consolidou a jurisprudência sua interpretação, no sentido de que pode a parte formular o pedido de benefício da Justiça gratuita em qualquer tempo e fase do processo (RT-683/131), não se verifica nos autos motivos para revogar o benefício concedido pela MMª. Juíza a quo quando do recebimento da apelação.
Sendo assim, conheço do recurso, por presentes os pressupostos de sua admissibilidade.
Pretende a apelante, no cerne de seu recurso, o afastamento da decisão que julgou extinta sem julgamento de mérito a ação de despejo cumulada com cobrança por ela ajuizada contra o apelado e seus fiadores, em decorrência de existência no contrato locatício de cláusula optando pela solução de conflitos através de juízo arbitral.
No caso em questão, cabe inicialmente ressaltar que não há que se falar em afastamento da aplicação da Lei de Arbitragem ao caso, sob a alegação de que o pedido de despejo é de ordem pessoal e o de cobrança somente é que seria de ordem patrimonial.

Conforme DE PLÁCIDO E SILVA, em seu “Vocabulário Jurídico”, 23ª ed., Forense, 2003, atualizado por NAGIB SLAIBI FILHO E GLÁUCIA CARVALHO:
“Direito patrimonial é designação de caráter genérico dada a toda sorte de direito que assegure o gozo ou fruição de um bem patrimonial, ou seja, uma riqueza ou qualquer bem, apreciável monetariamente.
(...) Os direitos pessoais, embora possam ser considerados economicamente, e se integrem, nestas condições, no patrimônio de alguém, por natureza, não são patrimoniais porque, em princípio, estão fora do comércio e se mostram inalienáveis.
Mas, quando vêm integrando relações obrigacionais, identificam-se como direitos patrimoniais, tais como os reais.”(p.474)
Com efeito, não há dúvida quanto à aplicação à questão da Lei de Arbitragem, pois estamos diante de relação obrigacional quando tratamos de contrato de locação, que sem dúvida se relaciona à fruição de um bem patrimonial, apreciável monetariamente, não havendo, portanto, como dissociar o pedido de despejo da relação em que se contextualiza, daí ser ele também direito patrimonial disponível, passível de ser dirimido através do juízo arbitral.

Quanto à preclusão alegada pela apelante, que afirma a impossibilidade de reconhecimento pela r. sentença do incidente de exceção de incompetência, pois deveria o apelado ter argüido a existência de cláusula de arbitragem em contestação, tenho que não merece ser acolhida a alegação.

sto porque, sendo a convenção de arbitragem um impedimento processual instituído pela Lei 9.307/96, implica em verdadeira exceção, já que sua existência implicará, nos termos do art. 267 do CPC, inciso VII, em extinção do processo, sem julgamento do mérito, tanto que não pode ser reconhecida de ofício, devendo ser argüida pela parte contrária.

Acerca da questão, nos elucida ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, em sua obra “Arbitragem – Lei 9.307/96”, Lumen Juris, 1997, à p. 31/32:
“Qualquer que seja a convenção de arbitragem, esta deve ser vista como um impedimento processual, cuja existência terá como corolário a extinção do processo sem resolução do mérito. É por esta razão que a lei processual inclui a convenção de arbitragem entre as questões preliminares, as quais devem ser alegadas pelo réu em sua contestação (art. 301, IX, do CPC, com a redação que lhe deu a Lei de Arbitragem). Note-se, porém, que esta preliminar não pode ser examinada de ofício pelo juiz, mas apenas se houver sido a mesma suscitada pela parte. Trata-se, pois, de verdadeira, exceção de convenção de arbitragem.”
Ademais, tratando-se de impedimento processual argüido pela parte, como bem ressaltou a r. sentença, passou a existência da competência arbitral a ser matéria de ordem pública, que não poderia deixar de ser apreciada pelo juízo.
Ressalta-se, ainda, que a escolha das partes pelo juízo arbitral tem finalidade de pacificação social do conflito, antes de submetê-lo ao Judiciário.
Assim, o fato de não dispor o juízo arbitral de poder coercitivo para executar suas decisões, não exclui o impedimento de levar a pendência contratual ao Judiciário, antes de tentar resolvê-la pela arbitragem, no que estaria substituindo o processo de conhecimento, não sendo, portanto, de se impor a apreciação pelo Judiciário já de imediato, como pretende a apelante.
Portanto, a despeito das afirmações recursais, a decisão arbitral agora dispõe de força jurisdicional, tratando-se de ato jurídico perfeito, plenamente executável, por ter qualidade de título executivo judicial, não implicando o exercício da arbitragem em substituição aos poderes do Juiz de Direito, e nem em afronta à Constituição.
No que tange à distinção pretendida pela apelante acerca do compromisso arbitral de cláusula compromissória, tem-se que o art. 3º da Lei 9.307/96 dispõe expressamente que:
“Art. 3º: As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.”
Extrai-se desta norma que a convenção de arbitragem referida pelo art. 267, VII do CPC trata-se de gênero, do qual são espécies a cláusula compromissória e o compromisso arbitral, disposto no art. 3º da Lei de Arbitragem.
Com efeito, após a regulamentação da arbitragem pela Lei 9.307/96, uma vez firmada a cláusula compromissória em contrato, nenhuma das partes, isoladamente, poderá, de forma eficaz, substituir a arbitragem pelo procedimento judicial, visando à solucionar o conflito, sendo necessário o acordo de ambas em franca opção pela via jurisdicional, renunciando ao processo arbitral, o que não ocorreu em caso.
Não é mais necessário que celebrem as partes o compromisso arbitral, basta a presença da cláusula compromissória para se instituir a arbitragem, impondo-se o impedimento ao exercício da ação perante o Judiciário.

Neste sentido, muito bem elucida HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, em seu “Curso de Direito Processual Civil”, Forense, 2001, à p. 277:
“Na sistemática primitiva do Código, a cláusula compromissória não obrigava, nem prejudicava o direito de recorrer à jurisdição, porque se entendia que ninguém poderia ser previamente impedido de recorrer ao Poder Judiciário. Com o novo regime de arbitragem, instituído pela Lei nº 9.307, basta existir entre as partes a cláusula compromissória (isto é, a promessa de submeter-se ao juízo arbitral) para ficar a causa afastada do âmbito do Judiciário. Esta cláusula funciona, portanto, como o impedimento ao exercício do direito de ação, tornando a parte carecedora da ação por ausência da condição de possibilidade jurídica do respectivo exercício.
Se a convenção de arbitragem é anterior ao processo, impede sua abertura; se é superveniente, provoca sua imediata extinção, impedindo que o órgão judicial lhe aprecie o mérito.”
Assim, a opção da apelante pela via judicial não poderá evidentemente prevalecer, pois não houve aquiescência do apelado quanto à renúncia ao juízo arbitral, tendo, assim, discordado da substituição da arbitragem pelo procedimento judicial, ao manifestar-se através da presente exceção.
Nesse sentido são as decisões jurisprudenciais deste Tribunal citadas pela r. sentença, às quais se junta o seguinte enunciado:
“A jurisdição arbitral existe desde o momento da instituição da cláusula compromissória no contrato e cuja formação já é suficiente para derrogar desde logo a jurisdição voluntária natural, criando para as partes a obrigação compulsória de nomear ou de prover a nomeação dos árbitros” (“Anais do Congresso Internacional sobre Arbitragem Comercial”, Rio de Janeiro, 1985, p. 120 e RT, 293/263).
Assim é que a simples existência de qualquer das formas de convenção de arbitragem estabelecidas pela nova lei - cláusula compromissória ou compromisso arbitral - conduz, desde que alegada pela parte contrária, à extinção do processo sem o julgamento do mérito, visto que nenhum dos litigantes, sem a concordância do outro, poderá arrepender-se da opção anterior, livremente estabelecida no sentido de que eventuais conflitos sejam dirimidos através do juízo arbitral.
Como no caso restou estabelecido no contrato que instrumentaliza a ação, a cláusula 13ª evidentemente compromissória, tendo em vista eleição do Tribunal Arbitral de Minas Gerais para solução de questões referentes ao contrato, impõe-se a extinção da ação sem julgamento de mérito com base no art. 267, VII do CPC, devendo, assim, prevalecer o entendimento da r. sentença.
Não impede a aplicação de tal cláusula a alegada inexistência atualmente do referido tribunal arbitral, posto que nos termos da lei de arbitragem as partes podem eleger de comum acordo um árbitro, sendo qualquer pessoa física capaz para resolver a questão, nos termos do art. 13 da Lei 9.307/96.
A propósito, tal cláusula não poderia ser afastada pela cláusula 12ª do mesmo contrato, pois nela as partes somente fazem a opção pelo foro de Juiz de Fora, que deve ser aplicado, por se tratar de localidade eleita, tanto às ações judiciais quanto aos procedimentos arbitrais.

Por fim, não há que se falar em reforma da decisão quanto às custas e honorários advocatícios, pois sua imposição não depende de pedido da parte, sendo decorrência do processo, nos termos do art. 20 do CPC, do ônus da sucumbência, não implicando em julgamento extra petita.
Não há, ainda, como se impor em relação à sentença a suspensão da condenação quanto aos ônus sucumbenciais, nos termos da Lei 1.060/50, pois o benefício da assistência judiciária somente foi requerido após a sentença, e não tem o seu deferimento efeitos retroativos para atingir aquela decisão, sendo válida a suspensão somente do recurso para frente.
Pelo exposto, nego provimento ao recurso, mantendo a r. sentença por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Custas recursais, pela apelante, suspensas pela Lei 1.060/50, tendo em vista a concessão da assistência judiciária em grau recursal.
O SR. JUIZ JOSÉ FLÁVIO ALMEIDA:
De acordo.

O SR. JUIZ JOSÉ AFFONSO DA COSTA CÔRTES:
Preliminarmente, é necessário dizer que, a rigor, seria o caso de não conhecimento da presente apelação. É que trata-se de recurso decorrente de decisão exarada em incidente de exceção de incompetência.
É sabido que, em tais casos, o correto é o manejo do recurso de agravo de instrumento e não de apelação, uma vez que a decisão ali proferida não se ajusta aos casos do art. 513, do CPC, ou seja, não julga extinta a ação com ou sem julgamento do mérito.
Entretanto, na presente situação, considerando-se que a Juíza monocrática, mesmo de forma irregular, não se limitou a julgar apenas a exceção de incompetência, mas também julgou a própria ação principal, com a finalidade de não prejudicar a parte, conheço do recurso.
Estou de acordo com o voto do eminente Juiz Relator, quando afirma que a convenção de arbitragem é um impedimento processual instituído por lei e que implica verdadeira exceção.
Embora o art. 301, IX, do CPC, disponha que a matéria deve ser objeto de preliminar de contestação, foi instaurado o incidente denominado exceção de incompetência (art. 112), cujo procedimento se acha regulado pelos arts. 304 a 311 do Código de Processo Civil, por meio de petição escrita, distinta da contestação, autuada à parte, formando um apenso aos autos principais.
Assim sendo, não poderia a Juíza a quo, depois de devidamente processada, dela conhecer como preliminar de contestação, proferir sentença acolhendo a preliminar e julgar extinta a ação principal de despejo cumulada com cobrança, já que esta argüição produz a suspensão deste processo.
“A decisão proferida em exceção de incompetência é terminativa do incidente, mas não põe fim ao processo, pois este continua. Não se situa em qualquer das perspectivas dos arts. 267 e 269 do CPC. Não comporta, conseqüentemente, apelação, mas agravo de instrumento.” (RT 596/57).
Diante disso, hei por bem em dar provimento para declarar a nulidade da sentença de f. 18/22, para cassá-la e determinar que outra seja proferida, sanando-se os vícios apontados.

Fonte: Revista Resultado

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