Sumário: Introdução;1.Mediação e os direitos fundamentais; 2. Características da mediação; 3. O papel do mediador; 4. A aplicação da mediação no direito estrangeiro; 5. A mediação no Brasil; Conclusão; Referências
Introdução
Originária da Grécia Antiga, passando pelo Código de Hamurabi e pelo Antigo Testamento, a mediação não se mostra como um instituto contemporâneo.
Foi introduzida no Brasil na década de 80, porém, somente nos anos 90 é que surgiu interesse na área familiar, tendo como referência a Argentina, Estados Unidos, França e Espanha, onde os profissionais buscaram conhecimentos para poder aplicá-la no Brasil.
Para ser mediador não é preciso ser um profissional da área jurídica, mas sim ter preparo específico para este tipo de resolução de conflitos. Ele não formulará juízo de valores, não dará a solução adequada, não irá negociar, nem emitir parecer técnico. Será um terceiro administrador da comunicação entre as partes que auxiliará os litigantes a encontrarem, por si, a resolução do problema enfrentado.
A característica fundamental da mediação é o estímulo da comunicação intrapartes, possibilitando, assim, que os próprios envolvidos achem a resolução da lide apresentada, pois somente aos envolvidos no conflito caberá encontrar a solução.
Hoje, apesar de já haver centros de mediação, Institutos específicos e até o Conselho Nacional de Arbitragem e Mediação, o instituto, em si, ainda não está positivado em nosso ordenamento, sendo apenas uma prática pouco utilizada.
1. Mediação e os direitos fundamentais
A Constituição Federal nada mais é do que a declaração de vontade política de um povo, elaborada de modo solene, visando à proteção e à promoção da dignidade humana, na qual são inseridas regras de hierarquia superior às demais, estabelecendo direitos e deveres fundamentais dos indivíduos, dos grupos sociais e dos governantes.
O respeito à dignidade da pessoa humana, com o advento da Constituição de 1988, foi alçado à condição de fundamento da República Federativa do Brasil, sendo-lhe atribuído “o valor supremo de alicerce da ordem jurídica democrática”[4].
Esse princípio constitucional não visa apenas assegurar tratamento digno e não-degradante ao ser humano; tampouco garantir-lhe a integridade física. Tem por escopo, sim, tutelar a vulnerabilidade humana, assegurando especial proteção da lei a determinados grupos à sua maneira considerados frágeis, dentre os quais os membros de uma família.
A evolução doutrinária, jurisprudencial e legislativa do conceito de família confere novos contornos ao Direito de Família, cuja proteção maior se verifica no art. 226 da Constituição Federal de 1988, e encontra no Princípio da Dignidade Humana o elemento finalístico da proteção estatal – a valoração da pessoa humana e do desenvolvimento de sua personalidade.
Na lição de Gustavo Tepedino[5],
Assim sendo, a família, embora tenha ampliado, com a Carta de 1988, o seu prestígio constitucional, deixa de ter valor intrínseco, como instituição capaz de merecer tutela jurídica pelo simples fato de existir, passando a ser valorada de maneira instrumental, tutelada na medida em que – e somente na exata medida em que – se constitua em um núcleo intermediário de desenvolvimento da personalidade dos filhos e de promoção da dignidade de seus integrantes.
Na concretização dos Direitos Fundamentais pelo Estado, dentre eles o da dignidade humana, o Poder Judiciário desempenha papel importante na solução de conflitos. Mediante a intervenção jurisdicional, busca-se ver reconhecidas e implementadas as garantias constantes do texto constitucional.
Na Carta Maior de 1988, especificamente no título que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, encontra-se a garantia a todos do acesso à Justiça – art. 5º, inciso XXXV (a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito).
Todavia, a concretização dos Direitos Humanos, pelo Estado, vista pelo prisma da jurisdição, tem se deparado com diversos entraves, dos quais se destacam as limitações financeiras das pessoas que buscam a prestação jurisdicional e do próprio Estado, que, ao passo que assegura assistência jurídica gratuita, não o faz em paridade com aqueles dotados de recursos, resultando em que o assistido exerça o contraditório processual em desvantagem, culminando que não identifique, na prática, a tão almejada justiça na solução do conflito.
Ainda, a demora e a ineficiência que é sentida pelas partes na prestação jurisdicional acabam por inviabilizar o direito assegurado aos cidadãos, não só de acesso à Justiça mas também da efetivação do resultado buscado.
Assinalam José Luis Bolzan de Morais e Fabiana Marion Spengler[6]
Uma decisão judicial, por mais justa e correta que seja, muitas vezes pode tornar-se ineficaz quando chega tarde, ou seja, quando é entregue ao jurisdicionado no momento em que não mais interesse nem mesmo o reconhecimento e a declaração do direito pleiteado. Se a função social do processo, que é o instrumento da jurisdição, é a distribuição da justiça, não há como negar que, nas atuais circunstâncias do Poder Judiciário, a entrega da prestação jurisdicional em tempo oportuno confere credibilidade.
Conforme assevera Gustavo Tepedino[7], durante certo tempo, acreditou-se que as reformas legislativas assegurariam uma Justiça mais ágil e compatível com as novas demandas e interesses da sociedade. Todavia, constatou-se “a insuficiência das instituições judiciais, nos moldes clássicos do devido processo legal e do respeito incondicional ao contraditório, para se assegurar uma tutela jurisdicional satisfatória”, que não depende unicamente dos profissionais do direito e do bom desempenho da máquina judicial, mas que encontra na complexidade do processo legislativo atual e na redefinição do papel do Estado os maiores entraves para sua concretização.
Diante dessa realidade, para Tepedino[8],
[...] verifica-se que o Judiciário já não pode mais pretender dar resposta única a todos os conflitos sociais: o acesso à Justiça é fórmula que se torna algo ambígua e polissêmica. Uma multidão de novos interesses está a suscitar o desenvolvimento de mecanismos peculiares para a composição dos conflitos, de acordo com as características subjetivas e objetivas dos conflitos.
Nesse contexto, surgem os mencionados mecanismos que, ainda que possam sacrificar algumas garantias processuais próprias dos processos judiciais, em termos práticos, têm se mostrado eficazes na solução dos conflitos, barateando e acelerando a solução das disputas.
No tangente aos conflitos marcadamente patrimoniais, a adoção da arbitragem, regulada pela Lei 9.307/96, cuja constitucionalidade foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal, tem desafogado o Judiciário e obtido soluções melhores e mais adequadas aos interesses postulados, em especial a grupos empresariais, que nela encontram soluções compatíveis com os interesses em disputa.
No âmbito do Direito de Família, o Poder Judiciário, a despeito de pôr fim à lide que lhe é posta, mediante o reconhecimento da procedência ou da improcedência da demanda judicial, não oferece espaço para a manifestação dos desejos, angústias e expectativas das partes envolvidas no litígio.
Em decorrência, a solução que é imposta pela sentença, quando não aceita pelas partes, ou pelo menos por uma delas, implica no descumprimento de acordos judiciais ou da própria sentença, o que acarreta o surgimento de novas demandas para revisar ditas avenças, ou para exigir o cumprimento do comando judicial já exteriorizado, o que torna claro que o conflito, em muitos casos, não pode ser resolvido pela abstrata técnica da subsunção.
Constantemente se verifica o descumprimento de cláusulas inseridas em acordos entabulados em ações de separação e divórcio, seja tangentes a prestações alimentícias inadimplidas ou à regulamentação de guarda e visita de filhos, no que se evidencia que a aparente resolução da demanda judicial, na verdade, não foi adequada ao desejo e à realidade das partes envolvidas.
Assinala André Gomma Azevedo[9] que o operador do direito, no caso, o juiz, quando sentencia com quem ficará a guarda de um filho ou quando fixa o valor a ser pago a título de alimentos, ao aplicar o preceito legal cabível à espécie, não pode deixar de valorar o próprio indivíduo envolvido no caso concreto.
Segundo o autor[10], a não-observância desse componente fundamental ao conflito e à sua resolução não resulta na pacificação social, já que as partes, ao buscarem auxílio do Estado para a solução de seus conflitos, via Poder Judiciário,
[...] frequentemente têm o conflito acentuado ante procedimentos que abstratamente se apresentam como brilhantes modelos de lógica jurídica-processual – contudo, no cotidiano, acabam por frequentemente se mostrar ineficientes na medida em que enfraquecem os relacionamentos sociais preexistentes entre as partes em conflito.
Diante desse descompasso é que a mediação surge como instrumento alternativo de resolução dos conflitos no âmbito familiar, fornecendo respostas concretas e efetivas aos anseios populares. Mediante o auxílio de um terceiro, neutro e imparcial, que atua como facilitador, favorecendo o diálogo direto e pessoal, as partes buscam formatar um acordo que contemple soluções adequadas e satisfatórias para ambas, sendo a satisfação mútua e plena uma das maiores vantagens deste instituto.
Para Liane Maria Busnello Thomé[11]
A mediação se apresenta como um espaço de escuta para o exercício da autonomia individual, com participação direta dos envolvidos no processo de ruptura conjugal, com a realização de acordos e ajustes mais adequados às necessidades e aos desejos dos mediados. A mediação procura diminuir a dor, a angústia e o sofrimento dos cônjuges e dos filhos, devolvendo aos participantes maior autonomia e responsabilidade na condução e organização na nova vida familiar, no crescimento individual e principalmente no interesse dos filhos.
Por se tratar de um procedimento facultativo, em que se restabelece a comunicação entre as partes, de forma a que construam um acordo reciprocamente satisfatório, automaticamente, desse processo decorre uma responsabilização pelos envolvidos no cumprimento do que foi ajustado.
A mediação é, portanto, um método autocompositivo, já que as partes chegam a um acordo espontaneamente, por meio do auxílio do mediador (terceiro imparcial), que tem papel fundamental nesse processo, já que a ele incumbe restabelecer o diálogo entre os envolvidos no litígio, anteriormente rompido, aconselhando-os até que compreendam os seus problemas e cheguem às suas próprias respostas.
O diálogo, como referido, se constitui no principal instrumento desse método de composição. Em decorrência, a intervenção do mediador na condução do processo de autocomposição tem por fim proporcionar um ambiente de cooperação e controle, estimulando que as partes negociem entre elas acerca de interesses reais, evitando que debatam sobre suas posições pessoais e cheguem a conclusões unilaterais.
2. Características da Mediação
Conforme já se aduziu, a mediação, enquanto espécie do gênero justiça consensual, pode ser definida como a interferência de um terceiro em uma negociação ou em um conflito.
Dito de outra maneira, para Cooley e Lubet, a mediação “pode ser definida como um processo no qual uma parte neutra ajuda os contendores a chegar a um acerto voluntário de suas diferenças mediante um acordo que define seu futuro comprometimento”.[12]
A principal característica do processo de mediação é a comunicação a ser incentivada e desenvolvida entre as partes.
Na doutrina, ela vem definida como o “método consensual de solução de conflitos que visa à facilitação do diálogo entre as partes, para que melhor administrem seus problemas e consigam, por si só, alcançar uma solução”.[13]
A palavra se torna a ferramenta mais importante[14] e deve ser usada como meio facilitador da compreensão dos desejos e anseios de cada um.
Tendo a oportunidade de se expressar – o que, não raro, não acontece durante um processo judicial -, o indivíduo exerce o que entende por “direito ao desabafo”, mas também inicia um importante processo interno de autocompreensão, que lhe auxiliará tanto na percepção de posturas pessoais, como nos efeitos que produz em seu interlocutor.
Da mesma maneira em que, podendo ser ouvido – tanto quanto ouvir – abrem-se oportunidades de “depuração”, ou seja, daquilo que efetivamente pretendeu dizer e que o outro não compreendeu, ou interpretou de forma diferente, gerando os “ruídos” de fala que levam aos desentendimentos.
Trabalhando com técnicas específicas voltadas para esta abordagem – comunicação – a mediação busca alcançar, exatamente, a compreensão de uma parte perante a outra do que efetivamente se passa, e a forma de melhor alcançar uma solução que possa se aproximar o quanto possível das expectativas individuais, minimizando perdas.
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