Consenso visando o sucesso
A mediação recebeu especial tratamento pelo legislador pátrio com a recente edição da Lei 13.140, de 26 de junho de 2015, que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública, e do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), que, em seu art. 334, estabelece nova fase impositiva no procedimento comum, para a realização de audiência prévia de mediação, antes da apresentação de defesa pelo demandado.
A mediação recebeu especial tratamento pelo legislador pátrio com a recente edição da Lei 13.140, de 26 de junho de 2015, que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública, e do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), que, em seu art. 334, estabelece nova fase impositiva no procedimento comum, para a realização de audiência prévia de mediação, antes da apresentação de defesa pelo demandado.
Trata-se, a toda evidência, de importante medida para incentivar a cultura da medição, como solução
de conflitos, a jurisdicionados e advogados com arraigado pensamento
adversarial. Os efeitos favoráveis, caso o objetivo geral do legislador
seja atingido, são muitos, em especial para o Poder Judiciário, que terá
diminuída a quantidade de demandas ajuizadas, e para os
jurisdicionados, já que a solução consensual é sempre melhor aceita
pelas partes do que a intervenção sub-rogatória do judiciário.
Esse incentivo à busca por métodos de resolução de conflitos fora do âmbito do Judiciário é uma elogiável tendência do legislador, como observa Adir Reis, em obra sobre o tema da mediação. Confira-se
“A disseminação de outros métodos de resolução de
conflitos, como a negociação, a mediação e a arbitragem, é uma tendência
saudável para a maior eficiência da distribuição da justiça. Aliás, não são
formas “alternativas”, e sim formas iniciais, formas primeiras, formas
adequadas de resolução de conflitos, inclusive porque precedem,
historicamente falando, a própria criação do aparelho estatal nacional.
Trata-se do sistema multiportas de solução de controvérsias. Embora seja
vista como uma novidade nos meios forenses, a mediação já
funcionou em várias culturas, inclusive em sociedades do Ocidente, como
uma forma primária de resolução de disputas, precedendo até mesmo os
estados nacionais e a organização judicial nos moldes que os conhecemos
nos últimos dois séculos.”[1]
Os métodos de resolução de conflitos, portanto, incentivados pela atual legislação pátria, não se limitam à mediação,
mas englobam também, principalmente, a arbitragem e a conciliação. A
nota diferenciadora entre elas está na figura do terceiro escolhido
pelas partes para participar de cada um desses métodos, como explica
Pedro Paulo de Medeiros:
“Em linhas gerais, a arbitragem é a forma de solução
em que um terceiro (ou grupo de terceiros) escolhido pelos conflitantes,
dirime a controvérsia, já a conciliação é
aquela em que um terceiro conduz e acompanha a tentativa pelas próprias
partes de autocomposição e a mediação o método em que um terceiro
conduz, acompanha e opina ativamente no decorrer da tentativa
desempenhada pelas próprias partes de autocomposição.”[2]
Conceito, Princípios e Abrangência
Como exposto acima, a medição entre particulares tem fundamento na recente Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015, que, no parágrafo único,
de seu art. 1º, conceitua a mediação como “a atividade técnica exercida
por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito
pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver
soluções consensuais para a controvérsia”.
Vale o destaque para a posição de Humberto Dalla e Michelle Paumgartten, que acerca da mediação, assim lecionam:
“A mediação, particularmente, é essencialmente um
mecanismo extrajudicial para resolver conflitos.
Deve ser buscada
espontaneamente pelas partes que se encontram envolvidas em um problema e
que não conseguem, por esforço próprio, resolvê-lo. Mediante técnicas
que têm como objetivo a pacificação
dos indivíduos, o mediador facilitará a abertura dos caminhos
dialógicos para que os próprios protagonistas envolvidos no conflito
envidem esforços para encontrar solução para o impasse, consensualmente,
contribuindo assim para a preservação de relacionamentos que precisam
ser mantidos, compondo a matriz de uma justiça coexistencial”[3]
A mediação é orientada pelos
princípios: (a) da imparcialidade do mediador; (b) da isonomia entre as
partes; (c) da oralidade; (d) da informalidade; (e) da autonomia da
vontade das partes; (f) da busca do consenso; (g) da confidencialidade; e
(h) da boa-fé. Tais princípios estão previstos no art. 2º da Lei de
Mediação.
Esse método de resolução de conflitos tem cabimento
para todo e qualquer discussão, desde que verse sobre direitos
disponíveis, ou no caso de direitos indisponíveis, no aspecto em que
seja admita a transação. Nessa última hipótese, a transação deve ser homologada em juízo, após a oitiva do Ministério Público, que atua na qualidade de custos legis.
O mediador, terceiro que conduz o procedimento de
comunicação entre as partes, na busca de consenso para a resolução do
conflito, será, em regra, escolhido pelas partes. Sobre ele recaem as
mesmas hipóteses legais de impedimento ou suspeição que incidem sobre os
magistrados, previstas no art. 145, do novo Código de Processo Civil.
O legislador buscou incentivar a ampla difusão da
mediação como forma de solução de conflitos e, assim, preocupado com a
situação de hipossuficientes, destacou na Lei de Mediação a gratuidade
no procedimento de mediação, como forma de garantir o acesso à justiça, considerando-se a mediação como forma eficaz de resolução de conflitos.
Espécies de Mediação e Procedimento
O procedimento de mediação pode ter natureza judicial
ou extrajudicial. A diferença entre ambos reside, basicamente, em dois
fatores: a figura do mediador e a presença, ou não, de advogado que
assista as partes envolvidas na mediação.
Na mediação extrajudicial, “qualquer pessoa capaz que
tenha a confiança das partes e seja capacitada para fazer mediação,
independentemente de integrar qualquer tipo de conselho, entidade de
classe ou associação, ou nele inscrever-se” poderá funcionar como
mediador, de acordo com o art. 9º da Lei de Mediação.
Quanto à representação,
o art. 10 da Lei de Mediação consigna ser desnecessário o
comparecimento das partes acompanhadas de seus respectivos advogados.
Comparecendo, no entanto, qualquer das partes acompanhada de advogado, o
procedimento somente poderá seguir se todas as partes estiverem
devidamente assistidas.
A mediação judicial, por sua vez, tem regras
específicas para a escolha do mediador. Somente “poderá atuar como
mediador judicial a pessoa capaz, graduada há pelo menos dois anos em
curso de ensino superior de instituição reconhecida pelo Ministério da
Educação e que tenha obtido capacitação em escola ou instituição de
formação de mediadores, reconhecida pela Escola Nacional de Formação e
Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM ou pelos tribunais, observados os
requisitos mínimos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça em
conjunto com o Ministério da Justiça”. Trata-se de imposição prevista no art. 11 da Lei de Mediação.
Na mediação judicial, exige-se, em regra, a presença de advogado, nos termos do art. 26 da Lei de Mediação e do art. 334, § 9º,
do novo Código de Processo Civil, com exceção aos procedimentos de
mediação realizados no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis e Federais,
nos quais fica facultada a presença.
A natureza da mediação estabelece, ainda, o
procedimento a ser adotado. Como disposição comum, pode-se afirmar que a
mediação será considerada instituída na data em que for marcada a
primeira reunião, restando suspenso o prazo prescricional durante todo o
período em que durar o procedimento. Com o fim esperado, isto é, a
autocomposição, tem-se a lavratura do termo final de mediação, que
constitui título executivo extrajudicial ou, caso homologado em juízo, título executivo judicial.
A mediação judicial deverá ser realizada em todos os
casos em que se admite a solução consensual e desde que não haja uma
dupla discordância, de autor e réu, quanto à possibilidade de
autocomposição.
A audiência de mediação será realizada após o
recebimento da petição inicial e antes da apresentação de contestação
pelo demandado, nos termos do art. 24 e seguintes da Lei de Mediação e
art. 334 do novo Código de Processo Civil. O Código de Processo Civil
determina, expressamente, em seu art. 3º, que os magistrados, advogados e
membros dos Parquet estimulem a realização de mediação, em qualquer fase do processo.
A mediação extrajudicial, por sua vez, tem início com o convite enviado por uma das partes, por qualquer meio de comunicação, que será
considerado rejeitado caso não seja respondido no prazo de 30 (trinta)
dias, contados do seu recebimento. A mediação, nesses casos, é, em
regra, prevista em cláusula contratual, cujos requisitos, que informam o
procedimento, serão apreciados adiante.
Cláusula Contratual de Mediação
Quando prevista cláusula de mediação em contrato, é obrigatória a presença dos seguintes requisitos: (a) prazo mínimo e máximo para a realização da primeira reunião de mediação, contado a partir da data do recebimento do convite; (b) local da primeira reunião de mediação; (c) critérios
de escolha do mediador ou equipe de mediação; (d) penalidade em caso de
não comparecimento da parte convidada à primeira reunião de mediação.
Essas especificações podem ser substituídas na cláusula contratual pela
indicação do regulamento da instituição prestadora do serviço de mediação.
A ausência da completa
previsão desses requisitos faz recair os seguintes critérios para a
realização da primeira reunião, de acordo com o art. 22, § 2º,
da Lei de Mediação: (a) prazo mínimo de 10 dias úteis e máximo de 3
meses para a realização da primeira reunião, contados do recebimento do
convite; (b) local adequado que garanta o devido sigilo à reunião; (c)
lista de cinco nomes de mediadores capacitados, devidamente
identificados e qualificados, da qual a parte convidada escolherá um,
considerando-se escolhido o primeiro da lista em caso de inércia da
convidada; (d) penalidade de pagamento de cinquenta por cento das custas
e honorários sucumbenciais no caso de não comparecimento e sendo o
ausente vencedor em procedimento arbitral ou judicial posterior, que
envolva o escopo da mediação para a qual foi convidada.
Essa sanção em caso de não comparecimento, segundo abalizada doutrina[4], deve ser aplicada, também, àquele que, tendo celebrado contrato com cláusula de mediação,
ajuíza diretamente demanda judicial ou instaura a arbitragem. A
previsão da cláusula de arbitragem, em um primeiro momento, não impede
que se dê seguimento ao processo judicial ou arbitral, salvo se as
partes tiverem convencionado, na forma do art. 23 da Lei de Mediação,
não iniciarem “procedimento arbitral ou processo judicial durante certo
prazo ou até o implemento de determinada condição”.
Recuperação Judicial - planos para recuperar as empresas
recuperação judicial foi o instrumento idealizado
pelo legislador para a superação de crise econômico-financeira
momentâneas vivenciadas por sociedades empresárias viáveis. O princípio
que norteia o processo de recuperação, portanto, é, o princípio da
preservação da empresa.
Nesse contexto, o art. 47, da Lei 11.101/200 dispõe que “a
recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da
situação de crise econômico-financeiro do devedor, a fim de permitir a
manutenção da fonte produtora do emprego dos trabalhadores e dos
interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa,
sua função social e o estímulo à atividade econômica.”
Trata-se, assim, de processo judicial que visa a
conciliar os interesses dos credores e das empresas devedoras
(recuperandas), sem perder de vista, ainda, os interesses da própria
sociedade civil, o interesse coletivo, já que as empresas, como é notório
e afirmado expressamente no art. 47 da Lei de Recuperação Judicial, são
importantes fonte de geração de emprego e circulação de riquezas.
O soerguimento das companhias em situação de crise,
portanto, passa pela conciliação de interesses, sobretudo de credores e
devedores.
Plano de Recuperação Judicial
O instrumento que materializa o soerguimento da
empresa em crise é o plano de recuperação, documento por meio do qual,
de acordo com o art. 53 da Lei 11.101/2005, deverá necessariamente conter: (a) discriminação
pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados para o
soerguimento da empresa; (b) demonstração da viabilidade financeira; e,
por fim, (c) laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos
do devedor, subscrito por profissional ou empresa legalmente
habilitados. Sobre o tema, vale citar o entendimento de Ricardo Negrão
acerca do plano:
“O plano é, numa visão mais externa à empresa, o meio
pelo qual o devedor em crise apresenta aos credores sua compreensão
acerca da extensão desse seu estado deficitário e o modo pelo qual
pretende convencê-lo a colaborarem para superá-lo.
Para os credores, o plano representa renegociação de contratos, com expectativas distintas, considerando a classe de cada crédito.”[5]
Apresentado o plano em juízo pela sociedade
empresária (recuperanda) e publicado edital, a fim de cientificar todos
os credores, abre-se, para estes, a possibilidade de apresentação de
objeção ao plano de recuperação judicial. Assim, o “juiz deve, então,
convocar a Assembleia dos Credores para discutir e votar o plano de
recuperação judicial da devedora, eventuais planos alternativos, bem
como as objeções deduzidas”[6].
Percebe-se, assim, que é ampla a possibilidade de discussão pelos credores. O plano de recuperação segue, então, para deliberação em assembleia, assim como as demais matérias. Aprovado o plano, nos termos da Lei de Recuperação, segue-se à homologação
judicial e, finalmente, o período de 2 (dois) anos previsto no caput do
art. 61 da Lei de Recuperação, para cumprimento do plano.
É relevante destacar, por fim, que, com a aprovação
do plano, ocorre a novação dos créditos anteriores ao pedido (art. 59 da
LFR) e que, durante o período inicial dos 2 (dois) anos previstos no
caput do art. 61 da Lei 11.101/2005, o descumprimento de obrigação
prevista no plano acarretará a convolação da recuperação em falência (LFR, art. 61, § 1º).
Passado esse período inicial, na hipótese de inadimplemento, terá,
então, o credor a possibilidade de exigir a tutela específica, com o
cumprimento da obrigação, ou, então, poderá requerer a falência.
Incidência da mediação em recuperação judicial
A Lei 13.140/2015 resultou da unificação de três
projetos de lei que tramitaram no Senado Federal. São eles: (a) o PLS nº
517/2011, de autoria do Senador Ricardo Ferraço; (b) o PLS nº 434/2013,
oriundo de Comissão instituída
no âmbito do Conselho Nacional de Justiça e do Ministério da Justiça,
presidida pelos Ministros Marco Buzzi e Nancy Andrighi; e (c) o PLS nº
405/2013, capitaneado pelo Ministro Luis Felipe Salomão.
A redação original do PLS nº 434/2013, originário do CNJ e do MJ, propunha que a mediação não fosse aplicável à
determinadas espécies de conflitos, dos quais se destaca, para o
presente estudo, os conflitos que versassem sobre recuperação judicial e
falência. Esse dispositivo foi incorporado ao texto final do PLS que
seguiu do Senado Federal para a Câmara de Deputados e tinha a seguinte
redação:
Art. 3º. Somente pode ser objeto de mediação o conflito que verse sobre matéria que admita transação.
§ 1º. A mediação pode versar sobre todo o conflito ou parte dele.
§ 2º. Os acordos envolvendo
direitos indisponíveis e transigíveis devem ser homologados em juízo,
exigida a oitiva do Ministério Público quando houver interesse de
incapazes.
§ 3º. Não se submete à mediação o conflito em que se discute:
I – filiação, adoção, poder familiar ou invalidade do matrimônio;
II – interdição;
III – recuperação judicial e falência;
Ao ser encaminhado à Câmara
dos Deputados, contudo, o projeto de Lei tramitou sob o número PL
7.169/2014 e sofreu algumas alterações, dentre as quais a exclusão do
citado parágrafo 3º do art. 3º que listava
exceções aos conflitos que admitem mediação. Conforme se pode verificar
do parecer do relator do PL 7.169/2014, Deputado Sergio Zveiter, essa
supressão teve por objetivo deixar claro que qualquer conflito que trate
sobre interesses disponíveis, ou mesmo os indisponíveis que admitam
transação, podem ser objeto de mediação. Confira-se, nesse sentido,
trecho do parecer do relator do PL:[7]
“Acrescente-se também que a redação do § 3º, da forma originalmente apresentada, dava margem à interpretação
equivocada de que a lei estaria impedindo a mediação de qualquer
conflito que envolva questão familiar. Em verdade, a mediação de
disputas dessa natureza é uma das práticas consensuais de solução de
conflitos mais avançada. Entendo, portanto, ser mais adequado que se
excluam as exceções expressas, visto que o caput do artigo já especifica
os tipos de conflitos que podem ser mediados, já estando prevista a
proibição de mediação em conflitos que envolvam direitos indisponíveis que não admitam transação. Assim, evita-se não só a redundância no texto, mas, também, eventual interpretação equivocada que impeça a aplicação da mediação.”
Assim, de acordo com o disposto no art. 3º da Lei 13.140/2015, “pode
ser objeto de mediação o conflito que verse sobre direitos disponíveis
ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação”.
Evidente, portanto, que não se afasta a mediação nas hipóteses de
recuperação judicial ou falência, ou, ainda, nos conflitos decorrentes
dos processos de insolvência.
Essa supressão de limitações
materiais específicas tende a evitar, como bem ponderado pelo relator
do PL na Câmara, Deputado Sergio Zveiter, “uma interpretação equivocada que impeça a aplicação da mediação”, sobretudo em temas tão férteis à autocomposição,
como questões relacionadas ao direito de família e as questões
envolvendo empresas, em especial em sede de recuperação judicial. Sobre o
campo fértil da recuperação judicial, o tema já foi enfrentado pela
doutrina:
“A recuperação judicial é constituída por um cenário em que o mercado – representado pelos credores da empresa em dificuldades – tenta encontrar saídas economicamente viáveis como a concessão de prazos, redução de débitos, alienação de ativos ou estabelecimentos etc. não há dúvidas
que a incidência de vias criativas e flexíveis incidentais ao próprio
processo consubstanciam uma negociação supervisionada. Esta, por sua
vez, é iniciada pela apresentação de um plano de recuperação passível de
alterações pelos credores e que passará pela votação na assembleia de
credores.
A mediação serviria de auxílio
para a viabilidade da empresa se oriente por critérios objetivos em
conformidade com o mercado, assim como na facilitação de uma troca de
informações fecunda, base de possíveis saídas de negociações.”[8]
Não há, portanto, qualquer óbice à aplicação da mediação em sede de recuperação judicial. Aliás, é
recomendável que no processo de soerguimento tenha espaço a mediação,
para auxiliar e estimular a resolução de conflitos existentes entre a
sociedade em recuperação, seus credores, sócios, acionistas,
fornecedores, eventuais adquirentes, enfim, todos aqueles que integrem
ou tenham interesse no processo de recuperação judicial.
Corroborando esse entendimento, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, na I Jornada “Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios”, coordenada pelos Ministros Og Fernandes, Luis Felipe Salomão e Antonio Carlos Ferreira, do Superior Tribunal de Justiça, além
dos professores Kazuo Watanabe e Joaquim Falcão, editou diversos
enunciados sobre mediação, arbitragem e outras formas de resolução de
conflitos, com destaque para o enunciado nº 45, que assim dispõe:
“45. A mediação e conciliação são compatíveis
com a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e
da sociedade empresária, bem como em casos de superendividamento,
observadas as restrições legais.”
Diante desse contexto teórico-normativo, não
existem dúvidas quanto à aplicação da mediação aos processos de
recuperação judicial, sendo o processo de soerguimento, na verdade,
espaço fértil para a aplicação desse método de resolução de conflito.
Inclusão de cláusula de mediação em plano de recuperação judicial
A aplicação da mediação em sede de recuperação judicial, portanto, como pontuado acima, é absolutamente viável
e, mais ainda, recomendável. Trata-se de terreno fértil para a
autocomposição, tendo em vista o próprio procedimento em si do processo
de soerguimento. Resta, no entanto, indagar, dentro do presente estudo,
se seria viável, legal e possível a prática da mediação não só no curso da recuperação judicial, mas, também, se há fundamento ou qualquer impedimento para a inclusão de cláusula de mediação em recuperação judicial.
Como visto, a mediação tem cabimento em todos os
conflitos que versem sobre direitos disponíveis ou mesmo sobre direitos
indisponíveis que admitam transação, dependendo, quanto a este último,
de homologação judicial, com a prévia oitiva do Ministério Público. No
caso de conflitos decorrentes do plano de recuperação judicial, esse
requisito é plenamente observado, já que, em regra, as discussões ficam
restritas a direitos pecuniários dos credores da empresa devedora.
É preciso, ainda, observar, no caso, os princípios previstos no art. 2º da Lei de Mediação, bem como os requisitos da cláusula de mediação, conforme art. 22 do mesmo diploma. Nesse contexto, é preciso que a cláusula de mediação prevista no plano de recuperação tenha expressa previsão quanto ao: (a) prazo mínimo e máximo para a realização da primeira reunião de mediação; (b) local da reunião; (c) critérios
para a escolha do mediador; e, por fim, a (d) previsão de penalidades
em caso de não comparecimento por qualquer das partes.
Evidentemente, esses requisitos podem ser substituído pela menção expressa ao regulamento da instituição prestadora dos serviços de mediação, que irá regular esse procedimento de resolução de conflito pela busca da autocomposição.
Quanto aos princípios, vale destacar, especialmente, a observância à
autonomia da vontade das partes. Como visto, o instrumento para a
materialização da recuperação judicial é o plano de recuperação, que
pode ser amplamente debatido pelos credores, seja com a apresentação de
objeção, seja pela própria votação
do plano em assembleia. O plano, portanto, converge, claramente, para
um acordo de vontades e, como tal, observa, a toda evidencia, o
princípio da autonomia das vontades e da isonomia.
A cláusula de mediação,
portanto, não segue imposta por qualquer das partes, mas, como o plano,
em si, é resultado de um acordo de vontades, posteriormente homologado
pelo Juízo da recuperação.
Incluída a cláusula de mediação
no plano de recuperação aprovado em assembleia e homologado pelo Juízo,
as questões relativas ao cumprimento do plano, notadamente aquelas que
surgirem após o prazo bienal previsto no caput do art. 61 da Lei
11.101/2005, serão objeto de mediação, aplicando-se, tanto quanto
possível, as normas do arts. 16[9] e 23[10] da Lei de Mediação.
É, pois, válida e eficaz a cláusula de mediação
prevista em plano de recuperação judicial, aprovado em assembleia de
credores e homologado pelo Juízo da Recuperação Judicial. Trata-se,
ademais, de medida elogiável, seja para reduzir eventuais demandas
decorrentes da recuperação judicial, seja, ainda, para permitir uma
decisão consensual entre devedor e credores, ao invés de uma impositiva
determinação judicial.
Conclusão
Pelo exposto, conclui-se que os institutos da mediação e da recuperação judicial são absolutamente compatíveis entre si, sendo a recuperação judicial campo fértil para a utilização do instituto da mediação, não havendo, ainda, qualquer óbice para a previsão de cláusula de mediação
em plano de recuperação judicial, na medida em que eventual conflito
surgido do plano de recuperação tratará de direitos disponíveis ou que
admitam transação e a mediação será resultado da autonomia da vontade
das partes.
Por Ana Tereza Basílio
Fonte: Jota
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