Olhar holístico
Os fatores determinantes de uma situação valem dentro de um contexto e de determinados limites. Modificado aquele e ultrapassados estes, modificam-se as soluções que poderiam ser consideradas aceitáveis ou desejáveis. A visão sistêmica tem o condão de aperfeiçoar resultados decisórios pela inserção de novos elementos na solução de conflitos em geral e, em particular, pelas vias da mediação e conciliação.
Os fatores determinantes de uma situação valem dentro de um contexto e de determinados limites. Modificado aquele e ultrapassados estes, modificam-se as soluções que poderiam ser consideradas aceitáveis ou desejáveis. A visão sistêmica tem o condão de aperfeiçoar resultados decisórios pela inserção de novos elementos na solução de conflitos em geral e, em particular, pelas vias da mediação e conciliação.
Este
artigo remete-nos a Karl Ludwig von Bertalanffy (1901-1972), biólogo austríaco,
autor da Teoria Geral dos Sistemas (TGS). Bertalanffy observou que a simples
soma das partes de um organismo mostrava-se insuficiente para explicá-lo como
um todo e/ou compreender seu comportamento e suas reações.
Idêntico
fenômeno encontra-se presente nas interações humanas: cada ação, vista
isoladamente, não basta para justificar o comportamento das pessoas. Tanto isso
acontece que a psicologia nos proporciona inúmeras experiências em que se
demonstra a aparente paradoxalidade dos comportamentos humanos. Não faltam,
pois, motivos para que a Teoria Geral dos Sistemas tenha obtido reconhecimento
e utilização (e publicação) mundial.
A
aplicação da TGS na mediação e na conciliação, terrenos pavimentados pelas
relações humanas, em diversas situações, mostra-se mandatória sob pena de se
chegar a soluções insatisfatórias ou, no mínimo, de menor qualidade em casos de
maior complexidade, caracterizados pela riqueza do contexto no entorno da
situação-foco.
Isso
ocorre porque, quando se ampliam os limites de um sistema qualquer, elementos
inexistentes na situação anterior passam a influenciar o todo, surgindo efeitos
não previsíveis através da consideração apenas dos fatores presentes no estado
anterior do sistema menor. Ratifica-se, pois, o que propõe a TGS.
Imaginemos
um exemplo que faz parte do dia-a-dia das Câmaras de Mediação e Conciliação:
conflito entre cônjuges. Discutem-se as participações de cada um nos haveres do
casal. Independentemente de qualquer outra coisa, chega-se a um consenso de
partição dos bens.
Aumentemos
os limites desse sistema, pela inserção na arena do conflito dos interesses de
uma criança, digamos de nove anos, filha do casal. Tudo muda de figura, porque
há de se lhe assegurar os direitos; possivelmente, surge a figura da guarda
compartilhada (ou não), da pensão alimentícia e assim por diante.
Amplie-se
ainda mais esse sistema: do casal, suponha-se, depende totalmente uma pessoa
idosa. A situação torna-se ainda mais complexa. A solução para a primeira
situação, a mais simples, será diferente daquela intermediária e, por sua vez,
a terceira demandará outro tipo de acerto.
Aplicou-se
a visão sistêmica, ampliando-se os limites, da primeira para a terceira
situação. Como estabelece a TGS, a cada novo fator inserido no sistema, uma
nova solução será necessária para que o resultado mostre-se satisfatório.
Nesse
exercício especulativo, ampliou-se o sistema pela inclusão de novos elementos:
a criança, a pessoa idosa. O sistema, contudo, pode receber uma outra espécie
de ampliação de fronteiras, adicionando o fator tempo.
Se o
horizonte cronológico limitar-se aos dois ou três anos imediatos, pode ser que
nada indique uma mudança substancial nas soluções, em cada uma das opções
apresentadas anteriormente.
Avancemos,
contudo, mais oito anos. Tem-se, agora, uma criança adolescente, de dezessete
anos de idade. Ela demandará gastos de outra natureza, desejará exercer
atividades sociais e culturais que antes lhes seriam limitadas e, é bastante
provável, terá ela a intenção de exercer opções de vida, inclusive de escolha
de profissão. No ano seguinte, quiçá, cursará curso superior.
Seria
exagero incluir esse horizonte nas conversações? Faz sentido imaginar que os
genitores deverão incluir o desenho desse horizonte nas suas visões de futuro,
para organizar as atividades dessa criança desde o momento presente? Parece-nos
que sim. Tudo o que a criança fizer exercerá influência nos seus comportamentos
futuros e os pais deverão estar de acordo quanto a muitas dessas escolhas, que
vão do lazer a atividades complementares e preparatórias.
Façamos
agora a mesma digressão em relação à pessoa idosa – possível genitora de um dos
cônjuges. Se os termos da separação serão influenciados no imediato, pode-se
supor que poderão ser ainda mais caso se considere um horizonte tão amplo
quanto o da criança.
Gastos
com saúde e outros cuidados, que no momento possam parecer acessórios ou
supérfluos, ganharão outra dimensão, eventualmente capaz de afetar o equilíbrio
do acordo. A necessidade de cuidadores, tratamentos especializados, medicamentos
de alto custo – dependendo do histórico de vida da pessoa ou da família
exercerão influência no equilíbrio financeiro do sistema familiar.
Também
há de se considerar que essa pessoa poderá não estar mais viva ao final desse
horizonte, significando que uma situação de maior impacto financeiro, em algum
momento, deixará de existir.
Mais
uma vez, questiona-se: seria exagero incluir esse horizonte nas conversações?
Parece-nos que ocorre o oposto: seria prudente aplicar-se uma medida de
cautela, particularmente sob a ótica das finanças familiares, quando estas não
possuírem suficiente elasticidade para acomodar imprevistos (o que ocorre na
absoluta maioria das famílias).
Evidencia-se,
pois, a utilidade da visão sistêmica para o desenho de acordos capazes de se
mostrar válidos a médio e longo prazo, em situações complexas.
O caso
seguinte mostra que, mesmo no curtíssimo horizonte representado pelo cotidiano,
uma correta compreensão do sistema envolvido interessa a todos.
Tratam-se
de dois atendimentos, que ocorrem em sequência, na mesma Câmara de Mediação e
Conciliação.
No
primeiro, um pai e dois filhos tratam da pensão alimentícia. O pai não vive com
a mãe. O pai pleiteia a cessação do pagamento, porque os filhos terminaram suas
faculdades. Justamente no atendimento seguinte, o pai e a mãe estarão
formalizando o divórcio.
Os
filhos pleiteiam que o valor da pensão seja transformado em benefício para a
mãe, doente e impossibilitada de prover, a contento, o próprio sustento. Isso
os ajudaria a cuidar da mãe, levando-se em consideração a limitação atual de
seus salários de recém-formados.
O pai,
em razoável situação financeira, concorda com o pleito dos filhos e fica
estabelecido no acordo: o pai transfere para a mãe os valores das pensões
alimentícias.
No
segundo atendimento, pai e mãe comparecem com o objetivo de estabelecer o
divórcio, oficializando situação consolidada há algum tempo. Com esse
procedimento, o pai poderá formalizar sua união com a nova companheira.
O
divórcio é, pois, realizado nessa sessão e, aparentemente, tudo se equaciona. Contudo,
a situação não fica tão simples quando se amplia o sistema, para incluir mais
um elemento crucial: o plano de saúde da ex-esposa, até então mantida como
dependente do marido.
Com o
divórcio, a seguradora excluirá a ex-mulher do plano de saúde. Ocorre que o
custo mensal do plano contratado neste momento para a divorciada, é bem
superior ao da pensão alimentícia. A diferença representará um ônus com o qual
a senhora e os filhos não contavam.
Fica
bastante claro que, ao pai, seria tranquilamente suportável a permanência do
pagamento do plano de saúde (afinal, isso já vinha ocorrendo), contudo, nos
limites de cada atendimento, isso não entra em cogitação.
Pode-se
ampliar ainda mais o horizonte do sistema: os filhos, recém-formados, iniciarão
em novas atividades. Com o passar do tempo, experimentarão melhoria de poder
aquisitivo. Nessa circunstância, o encargo paterno poderá ser revisto,
propiciando aos jovens dividir responsabilidades com o progenitor, o que será
de todo salutar.
Portanto,
o acordo tanto poderia incluir a questão financeira momentânea da mãe, como uma
previsão de revisão após um tempo pré-determinado, quando o pai solicitaria,
novamente, a atenção da Câmara.
Sem
dúvida, estas considerações ampliam a complexidade do acordo ao criar variáveis
e situações com as quais os envolvidos não se encontram acostumados ou que nem
mesmo cogitam. Contudo, se por um lado aumentam o grau de incerteza, por outro,
elas apresentam algumas vantagens:
–
melhoram a qualidade da decisão, porque colocam na mesa situações que,
inevitavelmente, acontecerão no futuro; isso não impedirá a caducidade do
acordo presente, mas preparará o caminho para uma revisão sem a necessidade do
afloramento de conflitos interpessoais; muitas vezes, o bom entendimento no
presente evita ódios no futuro;
–
previnem que as situações evoluam para conflitos de maior gravidade
desnecessariamente, caso uma ou outra parte (mediando) sinta-se prejudicada;
nem sempre o que a pessoa visualiza no momento de um acordo, é o que perceberá
ou sentirá durante sua execução;
–
proporciona aos participantes compreensão mais abrangente de situações futuras,
como já se comentou, possivelmente não aventadas por eles, o que é saudável e
faz parte da missão de conscientizar e responsabilizar inerente ao processo de
mediação; é notável como as pessoas, em geral, são desacostumadas a visualizar
os acontecimentos futuros – na prática, não convém viver apenas o momento
presente;
–
eventualmente, desperta em alguns ou em todos os participantes novas percepções
a respeito da evolução mesma de suas relações interpessoais – afinal, ainda que
as pessoas separem-se no formalismo dos registros, ficam elos emocionais que
somente o passar do tempo poderá romper – o que nem sempre acontece na
intensidade com que se possa imaginar.
Conclusão
Acreditamos,
pois, que o pensamento sistêmico enriquece e valoriza o processo de mediação.
Essa maneira de pensar contraria o imediatismo de muitas soluções, porém,
aumenta a consistência dos acordos.
Seria
de bom alvitre sua inclusão nos treinamentos de reciclagem ou de formação de
mediadores. Casos para reflexão não nos faltam.
Por José
Osmir Fiorelli, graduado em Engenharia Eletrônica e em Psicologia. Pós-graduado
em Administração de Empresas. Professor em cursos de pós-graduação em
disciplinas relacionadas com Administração e Psicologia Organizacional.
Consultor de empresas nas áreas de qualidade, produtividade, gestão de recursos
humanos e gestão empresarial. Autor e coautor de diversos livros na área de
psicologia aplicada. Palestrante e conferencista.
Fonte:
Gen Jurídico
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