domingo, 17 de outubro de 2010

Mediação tende a se integrar ao processo jurídico

Resolução de conflitos
A figura do advogado como guerreiro em defesa dos direitos do seu cliente está mudando. Lá fora, há mais de uma década. Aqui no Brasil, mais recentemente. Não que o advogado esteja deixando de ser o feroz defensor de seu cliente, mas ele está acumulando novos atributos e uma visão mais ampla. E isso está acontecendo, tanto por exigência dos clientes, como por evolução dos próprios advogados. O cliente quer soluções efetivas e de baixo custo. O advogado quer mais do que apenas “ganhar a causa”. Quer ser visto como sendo parte da solução e não do problema. Quer ser chamado no início do problema e não apenas no final.

Numa conversa com a ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, em seu gabinete em Brasília, ouvimos a seguinte frase de ilustre ministra, enquanto apontava para um dos muitos armários repletos de processos: “Estão chegando de caminhão, não dá. Algo precisa mudar”. Pois, não é nenhum segredo que o sistema judiciário do Brasil é sobrecarregado, que o litígio é notoriamente lento e caro, e que a arbitragem não fica muito atrás em termos de custos.

É óbvio que algo precisa mudar, mas as esperadas reformas do sistema judiciário continuam sendo uma vaga esperança num horizonte remoto. É preciso uma alternativa mais imediata, disponível, que não dependa de novas leis ou decretos, nem de órgãos regulatórios. A mediação se propõe a ser essa alternativa, e, enquanto nada substitui a justiça formal dos tribunais, a mediação pode complementar o processo formal eliminando barreiras, e, na maioria dos casos, promovendo acordos que contribuam para aliviar a sobrecarga dos tribunais.

Temos observado um crescente interesse pela mediação no Brasil, tanto por dentro como por fora do processo judiciário; e a profissão que mais se destaca nesta onda é a dos advogados. Alguns se interessam pela possibilidade de atuar como mediadores no futuro, mas a maioria quer simplesmente compreendê-la o suficiente para poder atuar corretamente como advogado na mediação, o que chamamos a Advocacia da Mediação.

A prática da mediação no campo diplomático e político faz parte da história humana desde o início, mas sua aplicação nos processo jurídicos, e, particularmente no ambiente corporativo, tem um gênese mais recente, por volta dos anos 1970, nos EUA. Lá, foi rápido o crescimento até 1998 quando uma pesquisa[1] com as mil maiores empresas norte-americanas mostrou a preferência das grandes organizações pela mediação versus todos os demais métodos de resolução alternativa de disputa (RAD), inclusive a arbitragem. As regras que governam a mediação variam significativamente de um lugar para outro, desde o estado da Flórida, onde a prática é restrita a advogados, até o estado da Califórnia, onde a definição oficial de “Mediador”, por lei, é “qualquer pessoa que se chama mediador”. Mas, em todo lugar, a Advocacia da Mediação faz parte do processo, e, nos EUA, atualmente, 98% dos casos cíveis são resolvidos sem a sentença do juiz[2].

No Brasil, o advogado na mediação é algo incipiente, bem como o próprio uso de mediação para resolver disputas corporativas. Porém, é crescente, como também é crescente a necessidade de os advogados compreenderem o processo e seu papel na mediação. Em médio prazo, esperamos que a nova geração de advogados brasileiros já tenha uma compreensão melhor da mediação. Um fato encorajador nesse sentido ocorreu em Paris, em 2007 e 2008, na competição internacional de mediação patrocinada pela International Chamber of Commerce. O objetivo destas competições para estudantes de advocacia graduados foi o de testar suas habilidades como advogados na mediação. A equipe da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (Direito GV), liderada pela professora Michelle Ratton Sanchez, conquistou o 3º lugar em 2007 e, em 2008, a primeira colocação.

No final dos anos 1990, começaram a aparecer livros com títulos, tais como Mediation Advocacy, The New Lawyer e Mediation Representation, uma onda crescente até o presente. Estes livros demonstram a necessidade de os advogados terem conhecimentos de mediação, o que raramente consta nos tradicionais currículos das escolas de Direito. O principal motivo para o advogado entrar no processo de mediação devia ser a convicção de que existe uma boa chance de encontrar uma solução superior para seu cliente do que o provável resultado de litígio ou arbitragem. É um processo informal e em princípio voluntário; mas, na realidade, o advogado pode não ter tanta escolha assim, porque as cláusulas de mediação seguida de arbitragem, as chamadas cláusulas mediação e arbitragem, estão ficando cada vez mais comuns, particularmente nos contratos de comércio internacional; e observamos que em alguns fóruns no Brasil os juízes estão “sugerindo” a mediação como um passo preliminar ao agendamento de uma audiência. Queira ou não queira o advogado pode estar dentro de um processo de mediação. Nesses casos, é importante que compreenda a Advocacia da Mediação.

O mediador profissional sabe da importância do advogado na mediação, tanto que os mais experientes insistem na sua inclusão no processo. Mas, para isso, é necessário que o próprio advogado entenda o processo e o seu papel. O primeiro passo é ajudar o cliente a escolher o mediador imparcial e verificar se o acordo de mediação está completo e claro, sem aumentar a complexidade do documento desnecessariamente. A partir disso, o advogado deve preparar seu cliente para a mediação explicando as fases, o cáucus, abertura, exposição inicial e as regras da mediação contidas no acordo de mediar. Deve esclarecer que é uma negociação assistida na qual o objetivo não é o de ganhar uma sentença, mas o de encontrar uma solução aceitável pelas partes. Dada esta base de conhecimentos, o advogado deve, em conjunto com seu cliente, definir a estratégia a ser aplicada na mediação para maximizar os resultados e para não prejudicar uma eventual ação judicial se a mediação não tiver êxito.

Na mediação, a apresentação inicial de cada lado normalmente é feita pelos advogados e cada um expõe a sua percepção dos fatos. O diferencial na mediação é que ela não se limita apenas aos fatos, pois a solução da disputa pode estar no respeito aos sentimentos e no resgate do relacionamento. Em princípio, esta apresentação inicial deve ser sem interrupções, mas nem sempre ocorre assim. No momento de exaltação dos ânimos, a responsabilidade pelo gerenciamento da ordem é do mediador, mas ele pode precisar da ajuda dos advogados.

Após a apresentação inicial, dependendo da situação, o mediador, ou inicia um diálogo aberto entre as partes, ou parte para as reuniões em separado. Nesta fase, a tendência é que as partes representadas comecem a assumir uma voz mais ativa, porém os advogados continuam presentes e ativos. Nas reuniões abertas, é comum que o mediador permita, dentro dos limites, o desabafo das partes como sendo normal e até saudável. O advogado, nessa situação, precisa saber usar as emoções sem ser por elas dominado, lembrando sempre que o objetivo é encontrar uma solução e não o de ganhar do outro. É necessário muito autocontrole, paciência e criatividade.

Mediação é um processo informal e em muitos casos gera um documento informal que posteriormente será transformado num documento executável. A última fase é a da mediação, portanto depende da qualidade das fases anteriores. E, se não houver um acordo, é necessário que se redija um documento encerrando oficialmente o processo.

Sem advocacia não há justiça e sem o sistema jurídico não há democracia. Mas, considerando as tendências observadas no mundo e as vantagens que a mediação traz para pessoas, as empresas e a sociedade como um todo, temos de concluir que a mediação e a advocacia da mediação continuarão a crescer no Brasil, tornando-se cada vez mais um elemento integrado ao processo jurídico brasileiro. Por isso, a Advocacia da Mediação é algo que o advogado brasileiro precisa conhecer melhor.

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[1] LIPSKY, David B. e SEEBER, Ronald L., The Appropriate Resolution of Corporate Disputes – A Report on the Growing Use of ADR by U.S. Corporations, Cornell/PERC Institute on Conflict Resolution, 1998..

[2] MACFARLANE, Julie, The New Lawyer – How Settlement is Transforming the Practice of Law, UBC Press, 2008.

Por Marc Burbridge
Fonte: ConJur

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