Em manifestação pública, o Instituto Brasileiro de Direito do Seguro se posicionou contra a arbitragem internacional em contratos de seguro e resseguro, meio de solução de conflitos que considera dispendioso e prejudicial às empresas nacionais, porque é capaz de provocar alterações na compreensão jurídica do contrato.
De acordo com o IBDS, a adesão à cláusula de arbitragem internacional não é automática. O que significa dizer que as cláusulas arbitrais embutidas nos contratos de seguro não devem ter validade até que se discuta a arbitragem em si, todas as suas regras, e se chegue a um consenso, registrado em um documento específico.
O instituto também defende a edição de lei que proíba a solução de conflitos decorrentes de contratos de seguro e resseguro fora da jurisdição brasileira.
O fortalecimento das câmaras arbitrais brasileiras é uma reivindicação que o instituto faz na nota pública, “de modo a que passem a representar uma alternativa confiável para todos, inclusive para as empresas globais”.
A indignação manifestada pelo IBDS contra câmaras de arbitragem estrangeiras parece ter origem em um caso específico, que envolve milhões de reais. Trata-se da briga entre o consórcio que constrói a hidrelétrica de Jirau e as seguradoras da obra seguradoras da obra (SulAmérica, Allianz, Aliança, Mapfre, Itaú-Unibanco e Zurich Brasil), estas últimas que levaram a disputa para a Inglaterra.
As construtoras, que têm entre os seus advogado o presidente do IBDS, Ernesto Tzirulnik, exigem indenização por danos causados por trabalhadores nas obras que podem chegar a R$ 1,4 bilhão e querem que a disputa se trave na Justiça brasileira. As seguradoras levaram a briga para ser resolvida em Londres, na corte de arbitragem especializada em seguro e resseguro, a Arias. O incidente que resultou no prejuízo ocorreu entre os dias 15 e 16 de março de 2011, quando trabalhadores entraram em conflito seguido de incêndios e destruição no canteiro de obras da hidrelétrica em Rondônia, que é parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Em janeiro deste ano, a Corte Superior de Justiça da Inglaterra decidiu que em disputas internacionais deve ser aplicada a legislação do país onde a arbitragem vai acontecer, ainda que as partes sejam de outro país e o contrato tenha sido assinado também no exterior.
A cláusula de arbitragem na apólice do seguro prevê expressamente Londres como palco da resolução do conflito. No entanto, as construtoras afirmam que nunca assinaram a cláusula de arbitragem internacional.
Em dezembro de 2011, a Justiça inglesa ameaçou prender os diretores do consórcio de Jirau caso insistissem em levar o caso à Justiça brasileira. O Tribunal de Justiça de São Paulo já havia determinado que as seguradoras não tomassem qualquer iniciativa fora do país, mas a ordem foi ignorada.
Em abril, na última decisão judicial na disputa, a 6ª Câmara de Direito Privado do TJ paulista impôsmulta diária de R$ 400 mil caso as seguradoras da hidrelétrica de Jirau insistam em discutir o pagamento dos prejuízos na Inglaterra.
Leia a nota pública
ARBITRAGEM EM CONTRATOS DE SEGURO E RESSEGURO
Cumprindo seus cometimentos, o Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS) vem mais uma vez chamar a atenção das autoridades e da comunidade para assunto de grande relevância para o futuro da experiência securitária e ressecuritária nacional, assim como para a proteção dos interesses segurados e para o desenvolvimento do país.
O Brasil contou com o monopólio do resseguro por quase setenta anos. A direção contratual, desde a formulação dos clausulados de seguro até sua interpretação quando da regulação dos sinistros, foi cuidada muito de perto pelo Estado, seja através do então Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), seja da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP).
A abertura do resseguro feita através da Lei Complementar nº 126/2007 e seus regulamentos posteriores, não cuidou de estabelecer um sistema de proteção dos interesses das aprtes dos contratos de seguro, e mesmo de resseguro.
Um novo momento da vida obrigacional securitária brasileira foi assim inaugurado sem que existisse uma estrutura legal disposta para a proteção dos vínculos contratuais, e sem a pré-formação de experiência e precedentes que pudessem guiar sua interpretação e execução de forma equilibrada e convergente com a realidade do país.
A prática das arbitragens é sem dúvida uma forma de desafogar o Poder Judiciário das demandas complexas, propiciando maior cuidado técnico. A liberdade de suas instituições deve conviver, no entanto, com a experiência cultural brasileira e preservar os conteúdos obrigacionais conquistados ao longo da história.
Deve ser permanentemente buscada a formação e consolidação de um sistema alternativo para a solução de litígios de fato comprometido com a cultura, o direito e os objetivos da nossa sociedade. Nesse sentido, um caminho seria a concentração de esforços para o fortalecimento das câmaras arbitrais brasileiras, de modo a que passem a representar uma alternativa confiável para todos, inclusive para as empresas globais.
Esse passo adiante não acontecerá espontaneamente, sendo requerido um esforço concreto e constante dos atores envolvidos.
Tem-se tornado frequente a aleatória submissão de interesses nucleares públicos e privados brasileiros a arbitragens no exterior.
Em muitos casos essas arbitragens implicam distanciamento do idioma nacional e da cultura brasileira. Esse afastamento costuma significar a alteração da compreensão jurídica e de mundo que é levada em conta pelas partes nacionais que aqui celebram seus contratos e praticam os atos que podem deflagrar os conflitos de interesses a serem tutelados.
Invariavelmente, as mesmas arbitragens e os questionamentos judiciais pertinentes são mais onerosos do que os procedimentos locais, exigindo desde a tradução e legalização de documentos, viagens internacionais etc.
Em alguns casos as arbitragens remetem para experiências culturais e jurídicas não apenas estranhas à nossa, como também polarizadas em favor de setores específicos.
A título de exemplo, é reconhecido que a hegemonia dos interesses e do poder dos resseguradores internacionais tende a desnaturar a relação contratual de seguro e a atrair a arbitragem para suas esferas de influência, como recentemente registrou o CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica do Ministério da Justiça:
“Tal desnaturação tem levado, inclusive, à obrigação de realização de arbitragens internacionais de questionada legalidade, intensamente controladas por resseguradores, retirando-se (em contrariedade aos termos do Decreto-Lei 73/66, do Código Civil e da regulação emanada pela SUSEP) direitos expressamente garantidos aos segurados brasileiros, ocasionando, aos que insistem em fruir tais direitos assegurados, majoração e distorção dos preços a serem contratados.
14. Tais modelações, muito semelhantes entre diversos seguradores e resseguradores, têm trazido, inclusive a decretação de prisão, no exterior, dos diretores de empresas seguradas brasileiras que optarem por realizar seus pleitos perante o Poder Judiciário brasileiro... ”[1]
O problema das arbitragens em seguros, especialmente em países em vias de desenvolvimento, conduziu alguns legisladores a proibirem-nas peremptoriamente nos documentos típicos dos contratos de seguro, como é o caso da lei argentina que, por exemplo, dispõe categoricamente: “Art. 57. Son nulas las cláusulas compromisorias incluidas en la póliza.”
O PL 3.555/2004, cujo autor foi o então deputado federal José Eduardo Martins Cardozo, preocupou-se com a questão. Na redação dada pelo PL 8034/2010, apresentado pelo deputado federal Rubens Moreira Mendes com o objetivo de preservar a continuidade do debate sobre a primeira lei de contrato de seguro da nossa história, a disposição é a seguinte:
“Art. 65 A resolução de litígios por meios alternativos não será pactuada por adesão a cláusulas e condições predispostas, exigindo instrumento assinado pelas partes, e será feita no Brasil, submetida ao procedimento e às regras do direito brasileiro.”
A regra em questão é importantíssima, pois o contrato de seguro tem especificidades que não se verificam nos demais contratos de adesão. Diferentemente do que se passa com os fornecedores em geral, não é a seguradora quem faz a oferta de contratar. É o segurado quem a procura e propõe a contratação de um seguro numa determinada modalidade.
O instrumento contratual não preexiste à manifestação da vontade do segurado. O que há é apenas um plano de seguro com base no qual a seguradora poderá emitir a apólice, nela estabelecendo as disposições contratuais. A aceitação da proposta de seguro em regra se dá tacitamente, pelo decurso do prazo de que dispõem as seguradoras para “recusar o risco”. A apólice com as condições do seguro é emitida depois da aceitação da proposta do segurado e, assim, depois de constituído o contrato de seguro e, normalmente, quando este já se encontra em plena vigência.
O contrato de seguro é um contrato eminentemente consensual e, a menos que o segurado tenha diversamente declarado em sua proposta de seguro, o contrato formado com a falta de recusa a esta tem início de vigência a partir da data que a seguradora recepciona a mesma proposta. Não é possível, em suma, quando o segurado propõe a contratação de um seguro, que simplesmente venha a aderir a uma cláusula ou compromisso arbitral. A questão se agrava quando o seguro é estipulado em favor de terceiros determinados e indeterminados, como acontece com os seguros atinentes às obras de infraestrutura, entre muitos outros.
Entretanto, é possível que, à revelia do pacto contratual fruto da proposta e da sua aceitação, e a despeito de o seguro já estar vigendo, a seguradora, ao emitir a apólice, muitas vezes para atender a exigência de resseguradores estrangeiros, venha a inserir dentre as condições do seguro uma cláusula compromissória de arbitragem. O segurado obviamente não terá aderido a tal cláusula e o único meio de estabelecer validamente o compromisso arbitral é através de instrumento redigido de conformidade com as exigências feitas na Lei de Arbitragem, especificamente submetido ao segurado pelo segurador, em apartado.
Diante de tais fatos é imperiosa a adoção de regra como aquela acima transcrita ou, a exemplo do que se vem debatendo como conteúdo de possíveis Medidas Provisórias, com redação como a seguinte:
Art.... Os litígios decorrentes de contratos de seguro e resseguro, serão da competência exclusiva dos órgãos da jurisdição brasileira.
§ 1º É vedado pactuar por adesão os meios alternativos para a solução desses litígios, sendo exigido o uso de instrumento assinado pelos representantes legais das partes que se vincularem.
§ 2º As arbitragens deverão ser feitas no Brasil, segundo o procedimento e as regras materiais do direito brasileiro, perante tribunais locais compostos por árbitros que tenham o domínio da língua portuguesa, que será a prevalente ainda que o procedimento se desenvolva em mais de uma língua.
O Instituto Brasileiro de Direito do Seguro espera, com esta manifestação, cooperar para a boa estruturação do mercado interno brasileiro, objeto da política econômica e social proclamada por qualquer governo que se pretenda a promover o desenvolvimento do país.
São Paulo, 27 de setembro de 2012
Instituto Brasileiro de Direito do Seguro – IBDS
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[1]Ato de Concentração n° 08012.005526/2010-39, 14.03.2012, CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica.
Fonte: ConJur
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