Conciliar significa harmonizar, pôr de acordo, congraçar, combinar,
grangear, captar, atrair, conseguir, aliar, unir, harmonizar, no
sempre bom ensinamento de Aurélio Buarque de Holanda (Pequeno
Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, 11. ed., p.308).
Nos conflitos jurídicos, o acordo, seja qual for o nome que se lhe
dê, põe fim à controvérsia e, consequentemente, ao ódio e a
outros sentimentos negativos. Já uma sentença, por mais
fundamentada que seja, nem sempre dá a solução definitiva. Mesmo
que seja executada, o conflito permanece latente e pode eclodir
tempos depois por outro motivo.
Tudo isto não é novidade alguma. Na Constituição de 1824, o
artigo 161 era taxativo: “Sem se fazer constar, que se tem
intentado o meio da reconciliação, não se começará processo
algum.” A Lei de 15 de outubro de 1827 criava em cada uma das
freguesias e das capelas curadas um Juiz de Paz, determinando no
artigo 5º, parágrafo 1º, que ele conciliasse as partes que
desejassem demandar. O Regulamento 120, de 1842, que tratava das
atividades policiais, previa no artigo 111 a utilização do “termo
de bem viver”, destinado a apaziguar as relações na sociedade da
época.
O tempo passou, o Brasil tornou-se uma República e as formas de
soluções dos conflitos foram aos poucos se alterando. Por exemplo,
criando-se a Justiça do Trabalho em 1932 (ao início órgão
administrativo), através das Juntas
de Conciliação e Julgamento, compostas por representantes dos
empregados e dos empresários e por um Juiz Presidente, sendo
obrigatória a tentativa de conciliação.
No CPC de 1939 o Judiciário ficou alheio a qualquer composição.
Cabia-lhe só julgar. Nos artigos 263 a 272 nenhuma palavra é
dirigida à possibilidade de conciliar. Esta tarefa continuava sendo
atribuição dos delegados de Polícia, juízes de Paz, além do
promotor de Justiça, que atendia os pobres sobre assuntos gerais e,
inclusive, propunha reclamações trabalhistas. Este poder, pouco e
mal definido nas leis, baseava-se mais do que tudo no respeito que a
população tinha pelas autoridades. Darei um exemplo.
Em agosto de 1971, na cidade de Apiaí (SP), eu respondia pela
Promotoria. Eis que chegou um senhora pobre, ao redor dos 40 anos de
idade, e muito envergonhada narrou seu drama. O marido, ao manter
relações sexuais, “jogava a semente fora” e isto lhe causava
problemas, pois há mais de um ano se excitava e não alcançava o
prazer. Chamei o homem e ele, na sua simplicidade, disse que de nada
sabia (ela nunca reclamou por vergonha) e que assim agia porque não
queria mais filhos. Solteiro, pouco mais que um adolescente,
aconselhei o homem a retardar o gozo dando a ela a possibilidade de
satisfazer-se e que, para tanto, durante o ato sexual pensasse em
alguma coisa diferente. Respondeu ele, “já sei dr., vou pensar no
Corinthians e tá tudo resolvido”.
Pois bem, entre amadorismo e vontade de acertar, o fato é que a
sociedade tinha seus meios de solução das desavenças,
principalmente as de pequeno porte. E as pessoas tinham quem as
ouvisse. Aqui um aspecto pouco tratado. Muitas vezes, quem reclama
quer apenas atenção, um pedido de desculpas.
Com a chegada da Constituição de 1988, todas estas formas
alternativas foram abolidas ou reduzidas em suas atividades. E
passou-se tudo para os Juizados Especiais. Estes começaram a receber
uma quantidade despropositada de processos e tornaram-se
congestionados como as Varas. O que antes se resolvia com uma simples
admoestação passou a ser uma ação de indenização por dano
moral. Nenhum Estado tem orçamento para criar estruturas de Juizados
que atendam todas as reclamações, hoje assoberbados pela
vulgarização das ações por danos morais.
Muitos anos se passaram até que se tentaram iniciativas
conciliadoras. Por exemplo, criando Juizados Especiais dentro das
universidades, atuando os alunos como cartorários e conciliadores,
sob a supervisão de um juiz (v.g., pioneiramente, a Universidade
Regional de Blumenau (SC) e na UNISANTA, em Santos (SP). Ou Juizados
Especiais Avançados em cidades menores, como os instalados pelo
TRF-4 em 2004, agora espalhados por todo o RS (vide entrevista
juiz Eduardo Picarelli, Conjur, 8 de abril de 2012) e também no
estado de Rondônia.
Mas estas medidas não bastavam. Faltava um passo à frente. E este
só poderia vir do CNJ, único órgão capaz de elaborar uma política
judiciária de alcance nacional. E assim foi editada a Resolução
125/2012.
Referido ato administrativo, após recomendar nos considerandos a
mediação e a conciliação, determina no artigo 7º, incisos IV e
V, que os tribunais instalem Centros Judiciários de Solução de
Conflitos e Cidadania e promovam capacitação, treinamento e
atualização permanente de magistrados, servidores, conciliadores e
mediadores nos métodos consensuais de solução de conflitos.
A iniciativa, sem dúvida relevante, estabelece as condições de
funcionamento dos Centros (v.g., junto aos Juizados Especiais) e fixa
prazo para que os tribunais promovam sua instalação (4 a 12 meses).
A supervisão cabe a um magistrado e ele contará com servidores
capacitados e conciliadores.
Os conciliadores deverão ser capacitados e submeter-se a cursos de
reciclagem. Com razão, pois o amadorismo do passado não se sustenta
no presente, onde os conflitos se apresentam com maior complexidade.
Assim, as aulas de desenvolverão em módulos temáticos, cada um com
um número mínimo de horas/aula e estágio, perfazendo, no mínimo,
80 horas/aula de capacitação.
As matérias são vinculadas ao sucesso da iniciativa. Desde noções
de comunicação, para facilitar a interlocução com as partes, até
fundamentos filosóficos. Imagine-se, por exemplo, a dificuldade em
receber uma reclamação de um imigrante do Haiti. A Resolução
estipula também requisitos mínimos de estrutura física (v.g., data
show) e formas de avaliação dos participantes.
Não se descuidou da parte ética e, para isto, criou-se um Código
para os Conciliadores e Mediadores. Por exemplo, no artigo 1º,
parágrafo 1º, estabelece-se a confidencialidade, exigindo-se
resguardo das informações obtidas na sessão. E no artigo 7º
proíbe o conciliador ou mediador de prestar serviços profissionais
às partes envolvidas em processo sob sua condução, durante dois
anos.
A Resolução deixa espaço para que o TJ de cada estado adapte suas
normas gerais à realidade local, e cada Justiça, às suas
especificidades. Por exemplo, remunerando os conciliadores e
mediadores (artigo 7º, inciso VII). O que pode ser imprescindível
em uma unidade da Federação, pode ser desnecessário em outra, onde
o serviço voluntário pode suprir as necessidades.
Em suma, a boa iniciativa do CNJ, que teve no Des. Kazuo Watanabe o
principal articulador, mostra-se de todo oportuna e deve, por todos,
ser incentivada. E na medida em que vai se tornando realidade, já
justifica a ideia de um novo passo: tornar, por lei, a tentativa de
conciliação ou de mediação obrigatórias e não facultativas, tal
como fez a Argentina nas ações de natureza patrimonial, com
sucesso. Não a formal tentativa prevista no artigo 277 do CPC, mas
sim a feita por magistrados e pessoas capacitadas na busca da solução
amigável.
O caminho é longo, os empecilhos são muitos, mas com iniciativas
como a Resolução CNJ 125, boa vontade dos presidentes de tribunais
e dos administradores judiciais, aliadas a uma boa dose de
obstinação, chegaremos lá.
Por Vladimir Passos de FreitasFonte: ConJur
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