terça-feira, 16 de outubro de 2012

Conciliação é a melhor forma de solução dos conflitos

Solução mais eficiente
Conciliar significa harmonizar, pôr de acordo, congraçar, combinar, grangear, captar, atrair, conseguir, aliar, unir, harmonizar, no sempre bom ensinamento de Aurélio Buarque de Holanda (Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, 11. ed., p.308).

Nos conflitos jurídicos, o acordo, seja qual for o nome que se lhe dê, põe fim à controvérsia e, consequentemente, ao ódio e a outros sentimentos negativos. Já uma sentença, por mais fundamentada que seja, nem sempre dá a solução definitiva. Mesmo que seja executada, o conflito permanece latente e pode eclodir tempos depois por outro motivo.

Tudo isto não é novidade alguma. Na Constituição de 1824, o artigo 161 era taxativo: “Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará processo algum.” A Lei de 15 de outubro de 1827 criava em cada uma das freguesias e das capelas curadas um Juiz de Paz, determinando no artigo 5º, parágrafo 1º, que ele conciliasse as partes que desejassem demandar. O Regulamento 120, de 1842, que tratava das atividades policiais, previa no artigo 111 a utilização do “termo de bem viver”, destinado a apaziguar as relações na sociedade da época.

O tempo passou, o Brasil tornou-se uma República e as formas de soluções dos conflitos foram aos poucos se alterando. Por exemplo, criando-se a Justiça do Trabalho em 1932 (ao início órgão administrativo), através das Juntas de Conciliação e Julgamento, compostas por representantes dos empregados e dos empresários e por um Juiz Presidente, sendo obrigatória a tentativa de conciliação.

No CPC de 1939 o Judiciário ficou alheio a qualquer composição. Cabia-lhe só julgar. Nos artigos 263 a 272 nenhuma palavra é dirigida à possibilidade de conciliar. Esta tarefa continuava sendo atribuição dos delegados de Polícia, juízes de Paz, além do promotor de Justiça, que atendia os pobres sobre assuntos gerais e, inclusive, propunha reclamações trabalhistas. Este poder, pouco e mal definido nas leis, baseava-se mais do que tudo no respeito que a população tinha pelas autoridades. Darei um exemplo.

Em agosto de 1971, na cidade de Apiaí (SP), eu respondia pela Promotoria. Eis que chegou um senhora pobre, ao redor dos 40 anos de idade, e muito envergonhada narrou seu drama. O marido, ao manter relações sexuais, “jogava a semente fora” e isto lhe causava problemas, pois há mais de um ano se excitava e não alcançava o prazer. Chamei o homem e ele, na sua simplicidade, disse que de nada sabia (ela nunca reclamou por vergonha) e que assim agia porque não queria mais filhos. Solteiro, pouco mais que um adolescente, aconselhei o homem a retardar o gozo dando a ela a possibilidade de satisfazer-se e que, para tanto, durante o ato sexual pensasse em alguma coisa diferente. Respondeu ele, “já sei dr., vou pensar no Corinthians e tá tudo resolvido”.

Pois bem, entre amadorismo e vontade de acertar, o fato é que a sociedade tinha seus meios de solução das desavenças, principalmente as de pequeno porte. E as pessoas tinham quem as ouvisse. Aqui um aspecto pouco tratado. Muitas vezes, quem reclama quer apenas atenção, um pedido de desculpas.

Com a chegada da Constituição de 1988, todas estas formas alternativas foram abolidas ou reduzidas em suas atividades. E passou-se tudo para os Juizados Especiais. Estes começaram a receber uma quantidade despropositada de processos e tornaram-se congestionados como as Varas. O que antes se resolvia com uma simples admoestação passou a ser uma ação de indenização por dano moral. Nenhum Estado tem orçamento para criar estruturas de Juizados que atendam todas as reclamações, hoje assoberbados pela vulgarização das ações por danos morais.

Muitos anos se passaram até que se tentaram iniciativas conciliadoras. Por exemplo, criando Juizados Especiais dentro das universidades, atuando os alunos como cartorários e conciliadores, sob a supervisão de um juiz (v.g., pioneiramente, a Universidade Regional de Blumenau (SC) e na UNISANTA, em Santos (SP). Ou Juizados Especiais Avançados em cidades menores, como os instalados pelo TRF-4 em 2004, agora espalhados por todo o RS (vide entrevista juiz Eduardo Picarelli, Conjur, 8 de abril de 2012) e também no estado de Rondônia.

Mas estas medidas não bastavam. Faltava um passo à frente. E este só poderia vir do CNJ, único órgão capaz de elaborar uma política judiciária de alcance nacional. E assim foi editada a Resolução 125/2012.

Referido ato administrativo, após recomendar nos considerandos a mediação e a conciliação, determina no artigo 7º, incisos IV e V, que os tribunais instalem Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania e promovam capacitação, treinamento e atualização permanente de magistrados, servidores, conciliadores e mediadores nos métodos consensuais de solução de conflitos.

A iniciativa, sem dúvida relevante, estabelece as condições de funcionamento dos Centros (v.g., junto aos Juizados Especiais) e fixa prazo para que os tribunais promovam sua instalação (4 a 12 meses). A supervisão cabe a um magistrado e ele contará com servidores capacitados e conciliadores.

Os conciliadores deverão ser capacitados e submeter-se a cursos de reciclagem. Com razão, pois o amadorismo do passado não se sustenta no presente, onde os conflitos se apresentam com maior complexidade. Assim, as aulas de desenvolverão em módulos temáticos, cada um com um número mínimo de horas/aula e estágio, perfazendo, no mínimo, 80 horas/aula de capacitação.

As matérias são vinculadas ao sucesso da iniciativa. Desde noções de comunicação, para facilitar a interlocução com as partes, até fundamentos filosóficos. Imagine-se, por exemplo, a dificuldade em receber uma reclamação de um imigrante do Haiti. A Resolução estipula também requisitos mínimos de estrutura física (v.g., data show) e formas de avaliação dos participantes.

Não se descuidou da parte ética e, para isto, criou-se um Código para os Conciliadores e Mediadores. Por exemplo, no artigo 1º, parágrafo 1º, estabelece-se a confidencialidade, exigindo-se resguardo das informações obtidas na sessão. E no artigo 7º proíbe o conciliador ou mediador de prestar serviços profissionais às partes envolvidas em processo sob sua condução, durante dois anos.

A Resolução deixa espaço para que o TJ de cada estado adapte suas normas gerais à realidade local, e cada Justiça, às suas especificidades. Por exemplo, remunerando os conciliadores e mediadores (artigo 7º, inciso VII). O que pode ser imprescindível em uma unidade da Federação, pode ser desnecessário em outra, onde o serviço voluntário pode suprir as necessidades.

Em suma, a boa iniciativa do CNJ, que teve no Des. Kazuo Watanabe o principal articulador, mostra-se de todo oportuna e deve, por todos, ser incentivada. E na medida em que vai se tornando realidade, já justifica a ideia de um novo passo: tornar, por lei, a tentativa de conciliação ou de mediação obrigatórias e não facultativas, tal como fez a Argentina nas ações de natureza patrimonial, com sucesso. Não a formal tentativa prevista no artigo 277 do CPC, mas sim a feita por magistrados e pessoas capacitadas na busca da solução amigável.

O caminho é longo, os empecilhos são muitos, mas com iniciativas como a Resolução CNJ 125, boa vontade dos presidentes de tribunais e dos administradores judiciais, aliadas a uma boa dose de obstinação, chegaremos lá.

Por Vladimir Passos de Freitas
Fonte: ConJur

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