domingo, 4 de novembro de 2012

As ciladas do consumo na mira da Justiça

Especial: entendimento do STJ
 
As ciladas do consumo na mira da Justiça
Estudos do Ministério da Fazenda apontam que, em 2020, o país será o quinto mercado consumidor do mundo. Se as previsões estiverem certas, os brasileiros vão estar dispostos a gastar mais com moradia, lazer, educação e alimentos. Os dados informam que o consumo das famílias passará de R$ 2,3 trilhões em 2010 para R$ 3,5 trilhões até o final da década, um número que chama a atenção para a necessidade do consumo consciente.

As decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) podem auxiliar as pessoas a não cair nas ciladas do consumo. Com frequência, são apresentadas demandas envolvendo consumidores que não atentam para as cláusulas do contrato e vendedores que não procuram esclarecê-las. E há até a situação de pessoas que compram um produto no exterior e buscam a garantia no Brasil.

Inúmeros são os problemas de consumo que chegam ao Tribunal – como o caso dos consumidores que já não conseguem pagar as contas e acabam com o nome inscrito nos serviços de proteção ao crédito.


Princípio da transparência
Uma informação clara, precisa e adequada sobre os diferentes produtos e serviços é princípio básico previsto pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) e que, muitas vezes, não é observado. Para o STJ, a informação defeituosa aciona a responsabilidade civil, abrindo espaço para indenizações (REsp 684.712).

É dever de quem vende um produto destacar todas as condições que possam limitar o direito do consumidor. As cláusulas de um contrato devem ser escritas de forma que qualquer leigo possa compreender a mensagem, em nome da transparência.

Por esse princípio, o consumidor tem direito, por exemplo, à fatura discriminada das contas de energia elétrica ou de telefonia, independentemente do pagamento de taxas. O Ministério Público ajuizou ação contra uma empresa de telefonia alegando prestação de serviços inadequados, no tocante às informações contidas nas faturas expedidas.

O STJ reafirmou a tese de que o consumidor tem direito a informação precisa, clara e detalhada, sem a prestação de qualquer encargo (REsp 684.712). Um dever que permeia também a relação entre médico e paciente.

A Terceira Turma julgou caso em que o profissional se descuidou de informar a paciente dos riscos cirúrgicos, da técnica empregada, do formato e das dimensões das cicatrizes de uma cirurgia de mama.

Os ministros decidiram que o profissional, ciente do seu ofício, não pode se esquecer do dever de informação ao paciente, pois não é permitido criar expectativas que, de antemão, sabem ser inatingíveis (REsp 332.025).


Informação dúbia
O entendimento do Tribunal é no sentido de que informação dúbia ou maliciosa deverá ser interpretada contra o fornecedor de serviço que a fez vincular, conforme disposição do artigo 54, parágrafo quarto, do CDC.

Em um recurso julgado, em que houve dúvida na interpretação de contrato de assistência médica sobre a cobertura de determinado procedimento de saúde, a Quarta Turma deu ganho de causa ao consumidor, que buscava fazer transplante de células (REsp 311.509).

Para o STJ, não é razoável transferir ao consumidor as consequências de um produto ou serviço defeituoso (REsp 639.811). Se o fornecedor se recusar a cumprir os termos de uma oferta publicitária, por exemplo, o consumidor, além de requerer perdas e danos, pode se valer de execução específica, pedindo o cumprimento forçado da obrigação, com as cominações devidas (REsp 363.939).


Propaganda enganosa
Diversas decisões do STJ vão contra qualquer tipo de publicidade enganosa ou abusiva. Em julgamento no qual se analisou a exploração comercial de água mineral por parte de uma empresa, a Primeira Turma se posicionou contra a atitude de encartar no rótulo do produto a expressão “diet por natureza”.

O STJ entendeu que somente produtos modificados em relação ao produto natural podem receber a qualificação diet, sejam produtos destinados a emagrecimento, sejam aqueles determinados por prescrição médica. Assim, a água mineral, que é comercializada naturalmente, sem alterações em sua substância, não pode ser qualificada como diet, sob o risco de configurar propaganda enganosa (REsp 447.303).

Da mesma forma que uma cerveja, ainda que com teor de álcool abaixo do necessário para ser classificada como bebida alcoólica, não pode ser comercializada com a inscrição “sem álcool”, sob o risco de se estar ludibriando o consumidor (REsp 1.181.066).


Planos de saúde
A empresa que anuncia plano de saúde com a inscrição de cobertura total no título de um contrato não pode negar ao paciente tratamento de uma patologia, se acionada, mesmo que no corpo do texto haja limitação de cobertura.

A Terceira Turma decidiu que as expressões “assistência integral” e “cobertura total” têm significado unívoco na compreensão comum, e “não podem ser referidas num contrato de seguro, esvaziadas do seu conteúdo próprio, sem que isso afronte o princípio da boa-fé nos negócios” (REsp 264.562).

Operadoras de planos de saúde têm também obrigação de informar individualmente a seus segurados o descredenciamento de médicos e hospitais. A Terceira Turma julgou caso de um paciente cardíaco que, ao buscar atendimento de emergência, foi surpreendido pela informação de que o hospital não era mais conveniado (REsp 1.144.840).

A informação deve sempre estar à mão do consumidor.

Marcas internacionais
Diante das seduções de mercado do mundo globalizado, com propostas cada vez mais tentadoras, o STJ proferiu decisão no sentido de que empresas nacionais que divulgam marcas internacionais de renome devem responder pelas deficiências dos produtos que anunciam e comercializam.

O consumidor, no caso, adquiriu no exterior uma filmadora que apresentou defeito. A empresa sustentava que, apesar de ser vinculada à matriz – que funcionava no Japão –, não poderia ser responsabilizada judicialmente no Brasil, pois a prestação da garantia ocorria de forma independente (REsp 63.981).

A Quarta Turma decidiu que, se as empresas nacionais se beneficiam de marcas mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também pelas deficiências dos produtos que anunciam e comercializam, não sendo razoável destinar ao consumidor as consequências negativas dos negócios envolvendo objetos defeituosos.

“O mercado consumidor, não há como negar, vê-se hoje ‘bombardeado’ diuturnamente por intensa e hábil propaganda, a induzir a aquisição de produtos, notadamente os sofisticados de procedência estrangeira, levando em linha de conta diversos fatores, dentre os quais, e com relevo, a respeitabilidade da marca”, afirmou o ministro Sálvio de Figueiredo na ocasião em que proferiu o voto. Ele considerou pertinente a responsabilização da empresa.


Desequilíbrios contratuais
As disposições contratuais que ponham em desequilíbrio a equivalência entre as partes são condenadas pelo Código do Consumidor. Segundo inúmeras decisões do STJ, se o contrato situa o consumidor em posição de inferioridade, com nítidas desvantagens em relação ao fornecedor, pode ter sua validade questionada.

O Tribunal admite a modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, e a sua revisão é possível em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas (AgRg no REsp 849.442). Não importa, para tanto, se a mudança das circunstâncias tenha sido ou não previsível (AgRg no REsp 921.669).

Tem sido igualmente afirmado, em diversos julgamentos, que é possível ao devedor discutir as cláusulas contratuais na própria ação de busca e apreensão em que a financeira pretende retomar o bem adquirido.

A ministra Nancy Andrighi, em voto-vista proferido sobre o assunto, ponderou que seria pouco razoável reconhecer determinada nulidade num contrato garantido por alienação fiduciária e não declará-la apenas por considerar a busca e apreensão uma ação de natureza sumária (REsp 267.758).


Consumidor inadimplente
O consumidor deve ser previamente informado quanto ao registro de seu nome nos serviços de proteção ao crédito. Assim, terá a oportunidade de pagar a dívida e evitar constrangimentos futuros na hora de realizar novas compras (REsp 735.701).

Se a dívida foi regularmente paga, o credor tem a obrigação de providenciar o cancelamento da anotação do nome do devedor no banco de dados, no prazo de cinco dias (REsp 1.149.998).


O prazo de prescrição para o ajuizamento de ação de indenização por cadastro irregular é de dez anos, quando o dano decorre de relação contratual, tendo início quando o consumidor toma ciência do registro (REsp 1.276.311).

Não cabe indenização por dano moral, segundo o STJ, em caso de anotação irregular quando já existe inscrição legítima feita anteriormente (Rcl 4.310). Para o Tribunal, o ajuizamento de ação para discutir o valor do débito, por si só, não inibe a inscrição do nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito. Para isso ocorrer, é necessário que as alegações do devedor na ação sejam plausíveis e que ele deposite ou pague o montante incontroverso da dívida (REsp 856.278).
 
Fonte: STJ

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