Justiça sem fronteiras
O instituto da arbitragem na solução de conflitos, ainda um adolescente em formação no Brasil, já formou quatro gerações no vasto campo do Direito Internacional. Oficialmente, a Corte Permanente de Arbitragem (CPA) nasceu em 1899, mas já no final do século XVIII há registros do uso da arbitragem moderna para resolver conflitos entre países. Nesta terceira reportagem da série Capital Jurídica, a Consultor Jurídico conta a história e mostra como funciona o principal e mais antigo tribunal internacional de arbitragem.
Em um período de constantes guerras e conflitos, a criação da CPA foi resultado da tentativa de selar a paz entre os países ou, pelo menos, de encontrar uma maneira para resolver as disputas pelo diálogo. Em 1899, por iniciativa do Czar Nicolas II, da Rússia, foi feita a primeira conferência em prol da paz no mundo, em Haia, na Holanda. O principal fruto desse encontro entre os países foi o nascimento da corte de arbitragem.
Em épocas onde não existia uma entidade formal como a ONU para tentar mediar conflitos internacionais, a adesão, em menos de 10 anos, de pelo menos 40 países ao estatuto do CPA pode ser considerada uma grande vitória. Principalmente porque, entre esses países, estavam grandes potências como Estados Unidos e Inglaterra.
Poucos anos depois, a construção da sede da corte na cidade holandesa de Haia, o Palácio da Paz, foi o empurrão que faltava tanto para consolidar a importância da cidade para o Direito Internacional como para que o tribunal se solidificasse. E assim foi feito. A corte tem hoje mais de um século de vida e comemora a adesão de 110 países (clique aqui para ver). Viu as duas grandes guerras acontecerem e, melhor, sobreviveu a elas.
Corte em potencial
A Corte Permanente de Arbitragem não foi criada propriamente como um tribunal. Era um conjunto de regras acordado para facilitar o uso da arbitragem na solução de conflitos. Diferente dos tribunais convencionais, não havia um corpo de julgadores permanentes. Com a construção da sede, a CPA ganhou sala de julgamento e, aos poucos, um corpo fixo administrativo para auxiliar os trabalhos.
Ainda hoje, a CPA não é propriamente um tribunal. Um Estado, quando resolve levar um caso para julgamento na corte, seleciona os seus próprios árbitros, junto com a outra parte. A corte, no entanto, mantém sugestões de árbitros.
A estrutura do tribunal é formada por três braços: o Conselho de Administração, composto por diplomatas dos Estados-parte sob a presidência do ministro das Relações Exteriores da Holanda; uma lista de potenciais árbitros, que são os chamados membros da corte; e o seu secretariado. O sustento da corte provém, principalmente, da contribuição dos países. É a vontade deles de manter um tribunal solucionador de conflitos que garante a existência da CPA. Todos os custos da arbitragem também são bancados pelas partes.
O Conselho Administrativo se reúne sempre na Japanese Room, que tem esse nome por conta dos afrescos japoneses na parede, pintados por 50 mil japoneses em cinco anos, dado o grau de sofisticação da técnica. A sala também é decorada com madeira doada pelo Brasil. A curiosidade são as cadeiras (foto ao lado). Cada um tem o brasão de um Estado-membro e fica coberta com uma capa, só tirada na hora da reunião. Segundo relatos de quem trabalha na corte, as confusões e correrias para encontrar a cadeira certa são frequentes. Os julgamentos acontecem no chamado Small Hall of Justice, bem menor e mais modesto do que o Plenário da Corte Internacional de Justiça, já que a maior parte dos procedimentos é fechada e, por isso, assistida só pelas partes.
Os árbitros em potencial são indicados pelos Estados partes. Cada um pode apontar até quatro nomes para fazer parte da lista de sugestões,desde que os escolhidos tenham evidente competência em Direito Internacional, reputação ilibada e disposição para aceitar as regras da arbitragem. Cada um é indicado por um período de seis anos, renováveis. O Brasil mantém na lista nomes de peso: Celso Lafer, Nadia de Araújo, Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros e Eduardo Grebler.
A eles, cabe também o papel de indicar os candidatos para ocupar cadeira de juiz na Corte Internacional de Justiça. São os árbitros em potencial, os membros da corte, que apontam os nomes para que a Organização das Nações Unidas (ONU) possa eleger os juízes internacionais. Eles também, junto com os juízes da Corte Internacional de Justiça, participam da escolha dos candidatos para o Prêmio Nobel da Paz.
Quem pode e leva
O tribunal, no entanto, é pouco conhecido da população mundial. Apesar de sua respeitável idade, quando se fala do Tribunal de Haia não é a ele que se refere, mas à Corte Internacional de Justiça, essa, sim, uma corte judicial dentro dos conformes, mas bem mais nova que a CPA. A discrição do tribunal de arbitragem é explicada pelo sigilo dos processos judiciais. Todos os casos que vão parar no tribunal de arbitragem são sigilosos. Só quando as partes querem e expressamente autorizam é que o tribunal pode tornar pública a discussão. Ainda assim, não há uma divulgação ativa dos procedimentos e nem um interesse considerável por parte da mídia.
Atualmente, a corte de arbitragem tem sete casos pendentes de julgamentos de conhecimento público, entre eles, o caso de investidores que acusam o Canadá de desrespeitar o Nafta (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio, na sigla em inglês). É possível – e provável – que outros tantos casos estejam em tramitação no tribunal, mas nem sequer a quantidade é divulgada pela corte.
Há ainda outros 35 casos já resolvidos abertos para conhecimento. Os casos mais antigos, no entanto, mesmo quando liberados para divulgação, enfrentam uma barreira maior. Os documentos são todos de uma época onde não se usava computador e internet não era nem uma amiga distante. Hoje, a corte faz um esforço para digitalizar tudo isso.
As conhecidas vantagens da arbitragem – sigilo, rapidez, julgadores especializados e disposição maior para a solução que agrade a ambos os lados – estão presentes também no CPA. Na corte internacional de arbitragem, há ainda outra vantagem. Embora os idiomas de trabalho sejam francês e inglês, são as partes que escolhem qual vai ser a língua dos procedimentos.
De acordo com as regras da corte, uma das partes da disputa tem de necessariamente ser uma nação. Senão, a competência para resolver o conflito não é da CPA. Além disso, é preciso que as duas partes concordem que o tribunal de arbitragem é o local para solucionar possíveis conflitos, ou previamente, em contrato ou tratado assinado, ou na época do conflito.
Por Aline Pinheiro
Fonte: ConJur
Nenhum comentário:
Postar um comentário