terça-feira, 17 de agosto de 2010

A telefonia celular no Brasil: um desrespeito ao consumidor

Alô com problema
O serviço móvel pessoal (SMP) ou simplesmente telefonia celular surgiu no início da década de 90 como opção alternativa e secundária de comunicação em relação à telefonia fixa. Todavia, os números indicam que, no Brasil, a telefonia móvel acabou assumindo o papel originalmente destinado à telefonia fixa. O principal meio de comunicação do brasileiro não é o orelhão ou telefone fixo. No primeiro trimestre de 2010, de um total de 240 milhões de clientes de serviços de telecomunicações, nada menos do que 179 milhões são de telefonia móvel. Noventa e três em cada 100 pessoas no Brasil possuem celular.

As receitas do setor de telefonia celular também apresentam dados expressivos. Em 2009, a receita operacional bruta foi de R$ 179,9 bilhões, o equivalente a 5,7 % do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. Em contraste, também impressionam os números que indicam falta de respeito ao consumidor.

É uma constante, quase invariável, estarem as empresas de telefonia móvel no topo do ranking de reclamações dos órgãos de defesa do consumidor. O destaque para descumprimento do decreto federal relativo ao Serviço de Atendimento ao Consumidor-SAC (Decreto 6.523/2008) também vem da telefonia móvel. O referido diploma estabelece regras mínimas para um atendimento telefônico rápido e eficaz ao consumidor que deseja cancelar a linha ou resolver problemas relacionados aos serviços.

Paralelamente a esse cenário de falta de qualidade do serviço, a União Internacional de Telecomunicações (organização da ONU) realizou, recentemente, pesquisa sobre os custos da telefonia móvel em 154 países e constatou que o Brasil possui o serviço de telefonia móvel mais caro do mundo.

Como se não bastassem esses dados, já há sinais do setor que não há pretensão de cumprir a recente Nota Técnica 62/CGSC/DPDC/2010, expedida, em 15 de junho de 2010, pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, do Ministério da Justiça, a qual esclarece os direitos do consumidor em relação a defeitos (vícios) em aparelhos celulares.

A Nota Técnica apresenta quatro conclusões: 1) à luz do Código de Defesa do Consumidor, o serviço de telefonia móvel é considerado essencial, por ser imprescindível ao atendimento das necessidades dos consumidores e indispensável para a proteção de sua dignidade, saúde e segurança; 2) b) aparelhos celulares são produtos essenciais, pois constituem o único meio de prestação dos serviços essenciais de telefonia móvel; 3) é direito do consumidor, em caso de vício em aparelho celular, exigir de imediato as alternativas previstas no art. 18, §1º, da Lei nº 8.078/90 perante quaisquer fornecedores, inclusive varejistas, importadores e fabricantes; 4) quando ao fornecedor não for possível, de imediato, precisar a causa do vício ou comprovar a culpa do consumidor, devem ser presumidas a boa-fé deste e a veracidade de suas alegações.

A rigor, a Nota Técnica apenas explicita o que já está contido há 20 anos no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), particularmente no artigo 18. Cuida-se de expediente que objetiva uniformização de interpretação da Lei 8.078/90 pelos Procons, bem como atuação articulada entre os órgãos de defesa do consumidor para enfrentar os inúmeros casos de consumidores com aparelhos novos que, logo após a aquisição, apresentam defeitos.

De um lado, as empresas de telefonia — que também são vendedoras dos aparelhos — em afronta à responsabilidade solidária prevista no caput do artigo 18 do CDC, ao invés de efetuar a troca por um aparelho novo ou devolver o dinheiro pago, encaminham o consumidor para as assistências técnicas que, por sua vez, argumentam que possuem o direito de, antes de trocar o produto, efetuar o reparo no prazo de 30 dias que, diga-se de passagem, raramente é respeitado. Então acaba assim: o consumidor, que há poucos dias comprou um novo produto, fica sem o aparelho e, consequentemente, sem o serviço de telefonia por 30, 60 dias ou mais. Injusto e ilegal!

Os fabricantes de aparelhos celulares também estão na ilegalidade, pois, diretamente ou por meio de suas assistências técnicas, resistem fortemente a efetuar a troca imediata do produto ou devolver o dinheiro ao consumidor, como determina claramente o parágrafo 3º, do artigo 18, da Lei 8.078/90.

É bom que se diga, até com alguma correção ao que foi escrito linhas atrás, esta ideia — bastante elementar: que o direito comprador à devolução imediata do dinheiro, em caso de vício do bem, é milenar. Suas raízes estão no Código de Hammurabi (por volta de 1694 a.C.), no direito grego e, mais incisivamente, no Direito Romano, na disciplina dos vícios redibitórios.

Conclusão: tecnologia, agressividade mercadológica do século 21 com posturas que, nem na Roma antiga, eram aceitáveis.

LEONARDO ROSCOE BESSA
Promotor de Justiça, professor universitário, mestre em Direito Público (UnB), doutor em Direito Civil (UERJ)

Fonte: Direito & Justiça

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