(publicado no dia 30.08.10 no Espaço Vital)
Assistindo matéria do quadro “O Conciliador”, veiculado no Fantástico (Rede Globo, 22 de agosto), fiquei com a impressão de que as “coisas” não ficaram em seus devidos lugares, e que há muito que se esclarecer. Destaca-se ainda, que na própria página da Internet ( www.globo.com ), no Fantástico, o título do referido quadro, chama a atenção: “O Conciliador ajuda doméstica a se livrar de dívidas de nove anos”.
O caso apresentado para conciliação foi de uma senhora doméstica que, em 2001, deu três cheques sem fundos em um supermercado em Praia Grande (SP), em face de dificuldades financeiras que enfrentava. No entanto, passados mais de nove anos, no começo deste ano, ela teve um empréstimo bancário negado e descobriu que seu nome estava inscrito no cadastro dos inadimplentes (SPC/Serasa).
Segundo o próprio saite um dos cheques de 2001 foi protestado no Estado do RJ e para devolver o cheque protestado e os outros dois, que somam R$ 312,00, a empresa credora queria R$ 1.092,00. Ocorre que mesmo explicando a ilegalidade de tal cobrança, a indevida inscrição no cadastro dos inadimplentes, inclusive com entrevista do desembargador Rizzatto Nunes, confirmando a ilegalidade na prática da empresa, a conciliação foi efetuada com enorme pressão sobre a “simples” doméstica.
Assim, a conciliação aconteceu no Palácio da Justiça de São Paulo, e a doméstica ´optou´por aceitar o acordo e saiu de lá com uma dívida no valor originário dos cheques (R$ 312,00) para pagar em três parcelas.
Ao leigo, desconhecedor da legislação brasileira, e grande maioria da população brasileira, com certeza a reportagem trouxe uma romântica história de honestidade. Entretanto, mesmo respeitando o livre arbítrio da doméstica, creio que se ela tivesse sido bem instruída, provavelmente a história teria tido outro final.
É que existem empresas especializadas na aquisição de cheques prescritos (artigo 59, Lei nº 7357/85), que não podem mais ser protestados, porque caracterizaria prática ilegal e conduta ilícita do credor. Então, em poder de tais cheques, essas empresas emitem uma letra de câmbio, camuflando a origem da dívida.
Emitida a letra de câmbio, esta é levada a protesto em cartórios do Estado do RJ, que são os únicos que aceitam este tipo de protesto (letra de câmbio sem aceite). Como esse protesto ocorre quase sempre em local diverso da residência do devedor ou do local onde o cheque foi emitido, o suposto devedor sequer tem possibilidade de elidi-lo por meio dos meios judiciais próprios, pois não chega a tomar conhecimento do apontamento do título e seu nome é inscrito no cadastro de inadimplentes.
Portanto, ao protestar letra de câmbio emitida irregularmente, a empresa praticou ato ilícito passível de reparação por danos morais, nos termos dos arts. 186 e 927 do Código Civil, nascendo sua obrigação de repará-lo. Pessoas que passam por esta situação, podem ingressar judicialmente com pedido de cancelamento do protesto indevido, e como medida liminar, a exclusão do seu nome do cadastro dos inadimplentes. Além do direito de requerer reparação pelos danos sofridos.
É evidente que o conciliador tem um papel importantíssimo nestes casos, pois é relevante que sejam esclarecidos à parte mais vulnerável os seus direitos, bem como deixar claro para a empresa que deveria excluir a referida inscrição indevida no cadastro dos inadimplentes, por ser ilegal.
No entanto, não foi esse cenário que se mostrou na reportagem, a qual passou uma imagem de que uma pessoa simples e humilde, como quase todos os brasileiros trabalhadores, vai sacrificar pequeno salário para efetuar o pagamento de um débito para uma empresa (que se utiliza de manobras escusas e ilegais para coagir os devedores).
Importante destacar que a mídia tem um enorme poder de persuasão e por isso cabe a nós, profissionais de diversas áreas, sempre esclarecer o que for necessário, para que não fiquem manipulados, nem mesmo distorcidos, direitos e informações relevantes para o dia-a-dia de todos os brasileiros.
Por Taiana Mariel Nascimento,
advogada (OAB/RS nº 79.771-B)
Fonte: Blog Jurisdição & Mediação
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