A conciliação judicial está em franco crescimento. É uma excelente forma de solução de conflitos. Uma desconformidade grave, entretanto, tem sido verificada nas conciliações com os procuradores da Fazenda Pública, e deve ser urgentemente sanada, para que a realização do Direito seja completa e não cause prejuízo jurídico e financeiro a quem concilia com o Poder Público.
No âmbito federal, os procuradores dos entes públicos têm poderes legais para acordos e conciliações até determinados valores. Entretanto, ordens de serviços, orientações normativas e a cultura da vantagem, prevalente nas relações privadas, têm feito com que os representantes da Fazenda Federal exijam um desconto sobre o valor devido à parte contrária para fechar o acordo.
Um exemplo comum no dia-a-dia da Justiça Federal é o do segurado do INSS que, privado do benefício na via administrativa, depois de toda a instrução processual, mesmo tendo seu direito reconhecido na conciliação, tem que concordar em receber apenas 80% dos valores atrasados e dispensar a indenização da despesa de honorários com seu advogado. O jurisdicionado, antevendo a demora do processo, premido pela necessidade, acaba concordando com os descontos e a redução de seu direito.
Quando a demanda envolve benefício substitutivo da remuneração (auxílio-doença, por exemplo) o valor do acordo sequer é suficiente para quitar as dívidas contraídas pelo segurado no período de infortúnio social. Lastimável, pois o cidadão é despojado do seu direito justamente pela sua fragilidade econômica e social. Afinal, se tivesse maior poder aquisitivo não precisaria aceitar o acordo e aguardaria o deslinde do processo.
O Estado deve ser expressão do Direito e garantidor da Justiça. É obrigação primária do Poder Público a realização integral do Direito. O aspecto financeiro é interesse secundário. Reconhecendo o direito do jurisdicionado, o ente estatal tem que dar exemplo de retidão e cumprimento do Direito, pagando o valor devido integralmente e indenizando o segurado pelo gasto com advogado, afastando-se do jogo dos pequenos descontos com os jurisdicionados pobres.
É incompatível com a moralidade e com a própria função estatal a exigência de descontos financeiros para fazer acordo, especialmente na esfera dos direitos sociais, como é caso dos benefícios previdenciários. A exagerada demora do processo judicial, ineficiência estatal, não pode ser utilizada, mesmo que indiretamente, para conseguir descontos do jurisdicionado. A postura dos entes públicos, neste ponto, necessita de aprimoramento.
Recentemente os procuradores da Fazenda Nacional foram desobrigados de promover ou continuar execuções fiscais no valor de até vinte mil reais. A medida foi tomada porque o custo do processo é maior do que o crédito exequendo. É injustificável que o Poder Público assim atue em favor de quem lhe deve, e, na outra ponta, resista em pagar o devido a um credor vulnerável. Até porque normalmente a pechincha do Poder Público nas conciliações envolve valor muito inferior aos vinte mil reais que o Estado deixa de cobrar de sonegadores.
A direção da advocacia pública, que vem fazendo um elogiável trabalho de estruturação das carreiras jurídicas do estado, defesa dos interesses públicos, aplicação da lei e colaboração para melhor andamento da Justiça, deve repensar com urgência sua postura nas práticas conciliatórias, determinando o cumprimento integral e exemplar do direito reconhecido, sem pechinchas de descontos, pois a realização do Direito e o arquivamento do processo judicial é o bem maior a ser realizado.
O Judiciário até pode negar homologação de acordos que prejudiquem uma das partes. Entretanto, a situação fica dramática quanto a parte necessitada aceita o acordo e prefere receber logo o benefício previdenciário, mesmo com prejuízo. O juiz acaba por acompanhar a decisão da parte, mesmo discordando da postura do ente público. A solução, portanto, depende fundamentalmente da mudança de postura dos entes públicos nas conciliações, buscando sempre a realização integral do Direito, objetivo maior e muito mais importante, sem exigências de descontos financeiros.
Por José Jácomo Gimenes, Marcos César Romeira Moraes e Valter Sarro de Lima
Fonte: ConJur
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