O problema do crédito fácil
A oferta de crédito fácil, que estampa os panfletos distribuídos aos milhares nas ruas de cidades brasileiras tem incomodado a Justiça tanto quanto alegra o pedestre que recebe a propaganda. Um anteprojeto, elaborado por uma comissão de juristas capitaneados pelo ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça, trata do assunto, estabelecendo critérios para a concessão de crédito principalmente o consignado. A proposta, que, se aprovada,será inserida no Código de Defesa do Consumidor, foi entregue ao presidente do Senado, José Sarney.
A ideia, diz o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo Kazuo Watanabe, que fez parte da equipe que elaborou o anteprojeto, é moralizar a cessão de crédito, que, há 20 anos, quando foi criado o CDC, não era fácil de conseguir e, agora, está banalizado. “A oferta é feita sem nenhuma pesquisa sobre a possibilidade do consumidor de quitá-la e a classe emergente brasileira, que não estava acostumada a usar cartão de crédito, começou a se superendividar.”
A lei deverá atingir todos os públicos, mas tem foco nos aposentados. “A gente percebe que, muitas vezes, aposentados são pressionados por filhos ou netos a tomarem empréstimos consignados, ficando, depois, sem dinheiro para comprar remédios, por exemplo”, explica Watanabe.
Um dos dispositivos do anteprojeto elaborado veda ao fornecedor de produtos e serviços que envolvam crédito “assediar ou pressionar o consumidor, principalmente se idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada”.
Além do assédio, o projeto prevê, entre outras questões, um limite máximo do comprometimento da renda do consumidor com a quitação de parcelas. A proposta diz que, nos contratos em que o pagamento da dívida envolva a autorização prévia para débito direto em conta bancária, consignação em folha de pagamento ou qualquer forma que implique cessão de remuneração, a soma das parcelas reservadas não pode passar de 30%.
O limite colocado, ainda segundo Watanabe, se dá como medida de garantir o que ele chama de uma reserva mínima existencial, ou seja, o mínimo necessário para os gastos do mês.
Em São Paulo, no Rio Grande do Sul e no Paraná foram criados núcleos de atendimento para esse público. Na capital paulista, um convênio entre o Tribunal de Justiça de São Paulo e a Fundação Procon se presta a atender consumidores com problemas de crédito. Em cidades menores, porém, os casos continuam chegando às mesas dos juízes.
Boa fé objetiva
Usando a tese do “superendividamento”, o advogado João Ayres da Motta conseguiu que a cobrança de uma dívida apontada pela instituição de crédito como sendo de R$ 4,4 mil fosse reduzida a R$ 958. A sentença, da 1ª Vara Cível de Petrópolis (RJ) diz que “restou induvidoso que o suplicado [empresa] concedeu ao autor [consumidor] — que não possui renda nenhuma, consoante os documentos carreados — crédito, sem ter cautela quanto à efetiva possibilidade de quitação”. A falta de preocupação em relação aos ganhos do cliente e sua impossibilidade de pagar a dívida, diz a sentença, mostra que a concessionária do empréstimo “deixou de atentar” para a boa fé objetiva, princípio consagrado no artigo 422 do Código Civil.
Outro agravante, ainda segundo a decisão, é a empresa continuar a conceder crédito ao cliente sem solicitar nenhuma garantia do pagamento da dívida que ele já havia contraído, causando um agravamento de débito, “o qual se mostra abusivo”.
Na petição inicial, a defesa do consumidor comprova que ele, com 52 anos, estava impossibilitado de trabalhar por um problema renal e, ainda assim, teve seu direito ao benefício concedido pela Previdência Social suspenso. Assim, sua única fonte de receita eram os ganhos da mulher, que trabalhava como costureira.
Além de ter reduzida a dívida ao valor nominal do empréstimo recebido pelo consumidor, a companhia também foi condenada a pagar as despesas processuais e os honorários advocatícios arbitrados em R$ 2 mil. Não houve recurso.
Por Marcos de Vasconcellos
Fonte: ConJur
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