O sucesso explosivo dos sites de compras coletivas teve efeitos colaterais no Judiciário. Sentenças contra empresas que oferecem o serviço de intermediação se multiplicam no país. Menos rápido que a internet, o Judiciário consolida só agora o entendimento de que os portais integram a cadeia de consumo e são responsáveis pelos produtos e serviços oferecidos. Em abril de 2013, por exemplo, duas decisões dos tribunais de Justiça do Distrito Federal e do Rio Grande do Sul condenaram as empresas virtuais a indenizar clientes frustrados.
A corte do Distrito Federal obrigou o site Peixe Urbano a ressarcir uma mulher que comprou um pacote turístico em Paris. A viagem foi cancelada às vésperas do voo e, para satisfazer a vontade da família, ela custeou o passeio do próprio bolso. O TJ-DF afastou o argumento de ilegitimidade passiva do site e manteve a condenação da primeira instância, que fixava R$ 5,5 mil por danos materiais e morais.
Já a 1ª Turma Recursal Cível do Rio Grande do Sul não reconheceu os danos morais de uma consumidora que acusou a não entrega de um perfume comprado pelo Groupon. A corte gaúcha entendeu que o valor do produto deve ser devolvido pela responsabilidade subsidiária do site de compras, que intermedeia o negócio e obtém lucro. A sentença diz, porém, que não houve danos à honra ou imagem pessoal da cliente, o que afasta o ressarcimento por danos morais.
Em fevereiro de 2013, outro revés já havia atingido as empresas de ofertas virtuais com uma liminar concedida pelo 3ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça fluminense, em Ação Civil Pública da Assembleia Legislativa do estado. A decisão impede as lojas online que atuam no Rio de se eximir, por cláusulas contratuais, de culpa por problemas nos produtos e serviços.
Chances de responsabilização
As cortes superiores ainda não firmaram interpretação sobre as lojas online, que viraram febre em 2010, mas há várias decisões dos tribunais estaduais contrárias a esses serviços. Considerado o Código de Defesa do Consumidor, os sites são considerados fornecedores e podem ser demandados judicialmente. De acordo com o Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor, do Ministério da Justiça, os quatro maiores portais do ramo no país somaram 9.607 queixas em 2012. No ano anterior, a quantidade de reclamações foi de 3.992.
“Os chamados disclaimers ou termos de uso não possuem validade jurídica no que diz respeito à isenção de responsabilidade”, observa Alexandre Atheniense (foto), especialista em Direito digital e sócio do escritório Aristóteles Atheniense Advogados. A estipulação de cláusulas dessa natureza é vedada pelo artigo 25 do CDC.
Na opinião dos especialistas, contudo, existem formas de os sites de compras evitarem dores de cabeça judiciais. As precauções envolvem principalmente o cadastro de parceiros: verificar a procedência do desconto anunciado, o histórico de reclamações do produto e expor devidamente as informações necessárias sobre o produto aos consumidores. Em casos de falhas, vale a publicação de nota de esclarecimento e devolução do dinheiro pago aos clientes.
Como há lucro na transação, alguns juízes equivalem os sites de compras coletivas às lojas que ofertam o produto, com base na teoria do risco do negócio. “Os sites de compra coletiva possuem responsabilidade objetiva e solidária sobre o dano advindo de defeitos sobre o produto ou serviço”, defende Atheniense.
Para Thiago Vezzi, do escritório Salusse Marangoni Advogados, os sites só podem ser responsabilizados por fato do produto — defeito ou acidente de consumo que pode gerar dano morais e materiais — caso os fabricantes ou importadores não sejam identificados. Parte da jurisprudência recomenda a aplicação desse princípio também nas situações de vício da mercadoria — problema de quantidade ou qualidade. Andréa Seco, sócia do escritório Almeida Advogados, afirma que os sites podem se eximir da responsabilidade se provarem que as informações não levaram o consumidor ao erro e alertavam sobre riscos do contrato.
Melhor prevenir
Estratégias usadas em outras empresas virtuais podem servir ao sites de compras coletivas. O portal de comparação de preços Buscapé, por exemplo, tem aperfeiçoado seu sistema de cadastro de fornecedores e resolução de problemas. "É uma recomendação que os sites de compras coletivas não tenham somente o canal de atendimento ao usuário/consumidor, como também ferramentas preventivas de demandas judiciais e administrativas", afirma a advogada e vice-presidente do departamento jurídico da Buscapé, Rosely Cruz.
Entre as medidas aconselháveis, segundo ela, estão o estreitamento de relacionamento com órgãos de defesa do consumidor, clareza nos termos dos contratos e um bom sistema de comprovação de pagamento. Além do cadastro detalhado dos fornecedores, a Buscapé ainda conta com outros mecanismos de controle de risco, como o E-bit Ajuda, que oferece serviço gratuito de intermediação entre o lojista e o cliente insatisfeito, e o Buscapé Protege, garantia de devolução do valor da compra, com teto de R$ 500, caso o consumidor tenha problemas com o produto ou serviço.
De acordo com Rosely, o sistema já foi apresentado à Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor e ao Ministério da Justiça, que se interessaram em desenvolver um modelo similar para ser replicado em outras empresas de comércio eletrônico. Na opinião da dirigente, além de se aproximar do fornecedor, o mercado virtual precisa "conhecer e entender o seu cliente, as demandas relacionadas, buscar mais informações, além de solicitar e avaliar documentos e confirmações, visando a prevenção de passivos".
Legislação específica
O Decreto 7.962/2013, que passa a vigorar em 15 de maio, é a tentativa do governo federal de melhorar as relações de consumo no comércio eletrônico. O artigo 3º do texto estabelece que os sites de compras coletivas devem esclarecer a quantidade mínima de clientes para efetivação do contrato, prazo para uso da oferta e identificação do fornecedor responsável pela mercadoria ou serviço.
Segundo Alexandre Atheniense, ainda é cedo para apontar a efetividade do decreto na prática. “Porém, de modo geral, as medidas foram necessárias, pois muitas modalidades de negócio surgiram na internet desde a vigência do CDC há duas décadas, e nem sempre a relação de confiança que deve prevalecer na contratação remota estavam adequadas às boas práticas de consumo”, pondera.
Andréa Seco acredita que a nova regra poderia ter incluído a responsabilização em primeiro turno da empresa que deve oferecer o produto ou serviço, para inibir fraudes. Já o especialista Thiago Vezzi argumenta que as obrigações deveriam ser previstas por lei e não um decreto, sob pena de inconstitucionalidade. “O grande problema é que, pelo nosso ordenamento, apenas a lei pode gerar direitos e criar obrigações”, comenta.
Também tramita no Congresso o Projeto de Lei 1.232/2011, de autoria do deputado João Arruda (PMDB/PR). Entre as propostas, estão o prazo mínimo de seis meses para uso do cupom, a devolução de dinheiro em até 72 horas caso a quantidade de clientes não seja atingida e a divulgação de ofertas em tamanho não inferior a 20% do tamanho da letra da chamada para a venda. Apesar do novo decreto, Andréa Seco considera a aprovação do PL importante porque o setor ainda carece de regulamentações.
Por Victor Vieira
Fonte: ConJur
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