quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Tratamento das Situações de Superendividamento dos Consumidores

Abrindo caminhos
Nos últimos dez anos, assistimos a uma democratização do acesso ao crédito sem precedentes no mundo. No Brasil, a proteção do consumidor superendividado ainda é um tema novo que não está integrado no cotidiano dos cidadãos, no comportamento empresarial, na formulação de políticas públicas e na legislação. Até recentemente o crédito era inacessível para a maior parte dos consumidores, sua democratização ocorreu somente após 1994 com a edição do plano Real e, mais acentuadamente, nos últimos 5 anos devido à estabilidade econômica e à descoberta de uma parcela da população que estava excluída do sistema formal de crédito. A política do estímulo ao crédito popular do governo Lula foi responsável por ampliar a concessão de crédito para a população de baixa renda, especialmente após setembro de 2004, quando o consignado foi autorizado pelo Ministério da Previdência Social.

Com isso, todas as camadas da população, incluindo os mais pobres ou com baixos rendimentos, passaram a comprar a crédito. O aspecto positivo revela a possibilidade da aquisição de produtos e de serviços que não poderiam ser obtidos à vista, podendo melhorar, em princípio, a qualidade de vida das pessoas. Contudo, a reflexão e a tranquilidade do consumidor na avaliação da compatibilidade da dívida com a sua renda, antes de contraí-la é elemento determinante para evitar seu endividamento excessivo, também chamado de superendividamento ou insolvência.

Merece destaque o fato de que o superendividamento não é um problema exclusivamente jurídico, mas apresenta facetas multidisciplinares, podendo sacrificar o lar como um todo. Os membros da família têm que fazer grandes sacrifícios para pagar as dívidas, cortam drasticamente seus gastos de consumo, o que pode afetar inclusive o desenvolvimento das crianças que crescem nestes lares, muitas vezes sem atendimento de suas necessidades mínimas e, o que é pior, sofrendo com a atmosfera pesada de falta de esperança. Também pode gerar comportamentos economicamente e socialmente não desejáveis, a exemplo da situação de um devedor, que sem nenhuma chance/esperança de conseguir pagar todas as suas dívidas, terá muito pouco incentivo para trabalhar mais do que o necessário para sobreviver ou será levado a trabalhar no mercado negro, o que significa menos impostos arrecadados para a sociedade.

Este fenômeno de insolvência ou falência do consumidor  já foi identificado e tutelado em diversos países, a exemplo da França, Bélgica, Dinamarca, Alemanha, Estados Unidos e Canadá, cujas leis contemplam di- versas medidas que podem ser impostas por um juiz ou terceiro imparcial quando da renegociação global das dívidas entre o consumidor/superendividado e seus credores, tais como o reparcelamento do débito, a redução ou o perdão dos juros, a moratória, o perdão total ou parcial da dívida, entre outras medidas.

O sistema jurídico brasileiro ainda não contempla legislação especial sobre a insolvência do consumidor com medidas de prevenção e tratamento do superendividamento, mas a recorrente procura dos consumidores ao Poder Judiciário inspirou a criação e a instalação de Projeto-piloto intitulado “Tratamento das situações de superendividamento do consumidor”. O Projeto tem por objetivo a reinserção social dos consumidores su- perendividados, mediante a realização de audiências de conciliação presididas por Juízas de Direito para a re- negociação conjunta das dívidas do consumidor e seus credores em único ato, de acordo com o orçamento familiar do superendividado. Seu procedimento sim- plificado e acessível a todo cidadão, viabiliza a solução do conflito entre consumidor superendividado e seus credores, além de reduzir o número de processos que se avolumam no Judiciário, alcançando as ações em trâmite nos foros (ações de cobrança, execução e revisionais, por exemplo) e as ocorrências que possam vir a se transformar em futuras demandas judiciais.

Os elevados índices de conciliação e a experiência obtida com as audiências de renegociação autorizam a conclusão de que a conciliação e mediação, já adotadas com muito sucesso em várias áreas de conflitos a exemplo das relações familiares, de vizinhança e de consumo, por suas características de informalidade, celeridade, menor custo e menor estigmatização pessoal e social, são ferramentas que devem ser utilizadas também para a solução dos problemas decorrente do superendividamento, facilitando o acesso à Justiça de milhares de consumidores. 
 
Por Clarissa Costa Lima e 
Káren Rick Danilevicz Bertoncello 
Fonte: mpd Dialógico

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