Nos últimos dez anos, assistimos a uma democratização do acesso ao crédito sem precedentes no mundo.
No Brasil, a proteção do consumidor superendividado
ainda é um tema novo que não está integrado no cotidiano dos cidadãos, no comportamento empresarial,
na formulação de políticas públicas e na legislação. Até
recentemente o crédito era inacessível para a maior
parte dos consumidores, sua democratização ocorreu
somente após 1994 com a edição do plano Real e, mais
acentuadamente, nos últimos 5 anos devido à estabilidade econômica e à descoberta de uma parcela da
população que estava excluída do sistema formal de
crédito. A política do estímulo ao crédito popular do
governo Lula foi responsável por ampliar a concessão
de crédito para a população de baixa renda, especialmente após setembro de 2004, quando o consignado
foi autorizado pelo Ministério da Previdência Social.
Com isso, todas as camadas da população, incluindo
os mais pobres ou com baixos rendimentos, passaram
a comprar a crédito. O aspecto positivo revela a possibilidade da aquisição de produtos e de serviços que não
poderiam ser obtidos à vista, podendo melhorar, em
princípio, a qualidade de vida das pessoas. Contudo, a
reflexão e a tranquilidade do consumidor na avaliação
da compatibilidade da dívida com a sua renda, antes
de contraí-la é elemento determinante para evitar seu
endividamento excessivo, também chamado de superendividamento ou insolvência.
Merece destaque o fato de que o superendividamento
não é um problema exclusivamente jurídico, mas apresenta facetas multidisciplinares, podendo sacrificar o lar
como um todo. Os membros da família têm que fazer
grandes sacrifícios para pagar as dívidas, cortam drasticamente seus gastos de consumo, o que pode afetar
inclusive o desenvolvimento das crianças que crescem
nestes lares, muitas vezes sem atendimento de suas
necessidades mínimas e, o que é pior, sofrendo com a
atmosfera pesada de falta de esperança. Também pode
gerar comportamentos economicamente e socialmente
não desejáveis, a exemplo da situação de um devedor,
que sem nenhuma chance/esperança de conseguir pagar todas as suas dívidas, terá muito pouco incentivo
para trabalhar mais do que o necessário para sobreviver
ou será levado a trabalhar no mercado negro, o que significa menos impostos arrecadados para a sociedade.
Este fenômeno de insolvência ou falência do consumidor já foi identificado e tutelado em diversos países,
a exemplo da França, Bélgica, Dinamarca, Alemanha,
Estados Unidos e Canadá, cujas leis contemplam di-
versas medidas que podem ser impostas por um juiz
ou terceiro imparcial quando da renegociação global
das dívidas entre o consumidor/superendividado e
seus credores, tais como o reparcelamento do débito,
a redução ou o perdão dos juros, a moratória, o perdão
total ou parcial da dívida, entre outras medidas.
O sistema jurídico brasileiro ainda não contempla
legislação especial sobre a insolvência do consumidor
com medidas de prevenção e tratamento do superendividamento, mas a recorrente procura dos consumidores
ao Poder Judiciário inspirou a criação e a instalação de
Projeto-piloto intitulado “Tratamento das situações de
superendividamento do consumidor”. O Projeto tem
por objetivo a reinserção social dos consumidores su-
perendividados, mediante a realização de audiências
de conciliação presididas por Juízas de Direito para a re-
negociação conjunta das dívidas do consumidor e seus
credores em único ato, de acordo com o orçamento
familiar do superendividado. Seu procedimento sim-
plificado e acessível a todo cidadão, viabiliza a solução
do conflito entre consumidor superendividado e seus
credores, além de reduzir o número de processos que se
avolumam no Judiciário, alcançando as ações em trâmite nos foros (ações de cobrança, execução e revisionais,
por exemplo) e as ocorrências que possam vir a se transformar em futuras demandas judiciais.
Os elevados índices de conciliação e a experiência obtida com as audiências de renegociação autorizam a conclusão de que a conciliação e mediação, já adotadas com
muito sucesso em várias áreas de conflitos a exemplo das
relações familiares, de vizinhança e de consumo, por suas
características de informalidade, celeridade, menor custo
e menor estigmatização pessoal e social, são ferramentas
que devem ser utilizadas também para a solução dos problemas decorrente do superendividamento, facilitando o
acesso à Justiça de milhares de consumidores.
Por Clarissa Costa Lima e
Káren Rick Danilevicz Bertoncello
Fonte: mpd Dialógico
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