As causas em que a Fazenda Pública é parte, ou de alguma forma intervém no processo, são geralmente processadas e julgadas perante Varas da Fazenda Pública. Trata-se de juízo especializado em matérias que envolvem o Poder Público, em geral são questões indenizatórias, mandados de segurança, ações cominatórias, e populares, ações civis públicas e matéria fiscal.
A Lei 12.153, de 22.12.2009 estabeleceu regras gerais para instalação de juizados especiais da Fazenda Pública para os estados, o Distrito Federal e, se for caso, para os territórios. Os juizados especiais cíveis existem há algum tempo, em conformidade com a Lei 9.099, de 26.9.1995, que regula o mencionado juizado na justiça dos estados e do Distrito Federal, e a Lei 10.259, de 12.7.2001, que dispõe sobre o juizado especial federal. A lei de 2009 trata da possibilidade de criação de juizados especiais para processamento e julgamento de questões relacionadas à Fazenda Pública.
Na verdade, os juizados especiais, sejam eles cíveis ou, como agora, da fazenda pública, encontram abrigo no artigo 98 da Constituição Federal.$Tal dispositivo, por sua vez, assenta-se no princípio do amplo acesso ao Poder Judiciário como instrumento básico de efetivação da democracia. Note-se que a visão que sempre se alimentou da justiça no Brasil era de que o Poder Judiciário destinava-se a resolver as grandes causas. Com sua estrutura fora dos controles democráticos, a começar pelo custo financeiro em se demandar a justiça, o judiciário, embora não tenha sido concebido para atender as elites, mostrou-se ao longo dos anos o mais requintado dos poderes republicanos em virtude das dificuldades para o seu acesso.
A Constituição Federal de 1988 tentou modificar essa imagem prevendo a criação de juizados especiais para solução de causas cíveis de menor complexidade e para o julgamento de infrações penais de menor potencial ofensivo. É evidente que nesse contexto se inclui a pretensão de se acelerar a tramitação de processos, eis que o eixo central dos julgamentos nos juizados especiais é a possibilidade de transação ou conciliação, o que poderá ser realizado por juízes togados ou togados e leigos.
A EC 22, de 18.3.1999, previu a criação de juizados especiais no âmbito da justiça federal, na linha do que se definiu para a justiça estadual. A Lei 9.099/1995 e a Lei 10.259/2001, portanto, servem para concretizar os postulados constitucionais comentados. Realmente, depois do advento dos juizados especiais deve se admitir que a imagem do Poder Judiciário junto ao cidadão modificou-se profundamente. Hoje pequenas demandas de consumidor, de reparação do dano, de direito de vizinhança e até questões previdenciárias são resolvidas com rapidez e sucesso nos juizados especiais.
Retornando-se ao tema central, observa-se que o artigo 24, X da Constituição Federal estabelece ser competência concorrente entre a União, os estados e o Distrito Federal, legislar sobre a criação, funcionamento e processo de juizados especiais de pequenas causas.
A lei 12.153/2009, que dispõe sobre os juizados especiais de Fazenda Pública, estaduais e municipais adota o mesmo critério de valor estabelecido pela Lei 10.259/2001, ou seja, compete aos juizados especiais da Fazenda Pública processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos estados, do Distrito Federal, dos territórios e dos municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos. E complementa o critério da competência, determinando as causas que não poderão ser processadas pelo juizado especial.
Por conseguinte, prescreve o § 1º, do artigo 2º que “não se incluem na competência do Juizado Especial da Fazenda Pública”: i) as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, por improbidade administrativa, execuções fiscais e as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos; ii) as causas sobre bens imóveis dos estados, Distrito Federal, territórios e municípios, autarquias e fundações públicas a eles vinculadas; iii) as causas que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou sanções disciplinares aplicadas a militares.
Acrescenta o § 2º do mencionado artigo, quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do juizado especial, a soma de 12 (doze) parcelas vincendas e de eventuais parcelas vencidas não poderá exceder o valor dos 60 (sessenta) salários mínimos.
A lei exclui o mandado de segurança da alçada do juizado especial. Por conseguinte, quando impetrado o writ para afastar exigência de ato ou decisão administrativa ou ameaça de lesão a direito líquido e certo decorrente de tais atos, a ação deverá tramitar em varas da fazenda, onde houver, conforme determinar a lei de organização judiciária do estado, ou, residualmente, no juízo cível.
O § 1º do artigo 2º afasta igualmente a competência do juizado especial de processar, conciliar e julgar execuções fiscais. As demais medidas judiciais em matéria tributária poderão tramitar no juizado especial desde que o valor da causa seja de até 60 (sessenta) salários mínimos.
A propósito da locução valor da causa, há que se ressaltar que não será exatamente o valor atribuído à causa o critério determinante da competência do juizado especial, mas o conteúdo econômico da demanda. Isso porque, o autor poderá atribuir valor que não reflita mencionado conteúdo e isso não poderá, ainda que por descuido das partes ou do próprio juízo, prorrogar a competência do juizado.
Esse argumento leva ao que dispõe o § 4º do artigo 2º da Lei 12.153/2009, que estabelece: “no foro onde estiver instalado Juizado Especial da Fazenda Pública, a sua competência é absoluta”. A incompetência do juizado, portanto, poderá ser alegada a qualquer momento processual. Por se tratar de matéria de ordem pública, a homologação da conciliação, ou a sentença proferida que não observar os critérios legais da competência do juizado especial, será nula.
Registre-se que a hipótese inversa também é verdadeira. Caso a demanda de até 60 (sessenta) salários seja ajuizada em vara da fazenda comum, o juiz deverá declinar da competência em razão do disposto no § 4º do artigo 2º da Lei 11.153/2009, sob o risco de ser reconhecida a nulidade dos atos processuais posteriores.
É importante considerar que a Fazenda Pública, para poder transigir junto ao juizado especial dependerá de lei do respectivo ente da federação que determine os critérios da conciliação. Isso porque os assuntos fazendários são regidos por ditames de interesse público, os quais, a priori, são indisponíveis. Nesse sentido reza o artigo 8º da lei em análise: “os representantes judiciais dos réus presentes à audiência poderão conciliar, transigir ou desistir nos processos da competência dos Juizados Especiais, nos termos e nas hipóteses previstas na lei do respectivo ente da Federação”. Essa regra dá respaldo para o ajuizamento, por exemplo, de demandas tributárias no juizado especial, desde que exista lei fixando os critérios para que os procuradores da Fazenda Pública ré possam transigir.
A efetividade do funcionamento adequado dos juizados especiais da Fazenda Pública pressupõe a edição das leis locais fixando os critérios de transigência por parte dos procuradores fazendários, sob pena de as propostas de conciliação se tornarem infrutíferas. A falta da mencionada lei, porém, não inviabiliza o ajuizamento de causas junto ao juizado especial quando instalado. Somente uma das fases do procedimento especial será mutilada por ausência de critérios legais para que a conciliação possa se efetivar. As demais etapas do procedimento poderão ser cumpridas normalmente, em especial a que diz com o cumprimento da sentença (Lei 12.153/2009, art. 13).
Os juizados especiais de Fazenda Pública são verdadeiro avanço na direção da democratização da justiça, pois atinge gama considerável da população muita vez prejudicada em seus direitos por atuação abusiva do Poder Público e a demanda aos juízos tradicionais nem sempre compensa em razão dos custos diretos e indiretos de se propor uma ação.
Além disso, as estatísticas têm demonstrado que a justiça, em razão da quantidade excessiva de processos, inclusive os aforados pelo Poder Público, não têm conseguido dar resposta eficaz na solução das controvérsias.
Por Cleucio Santos Nunes
Fonte: ConJur
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