A
mediação é conhecida por ser um método de solução de conflitos
no qual as partes, por intermédio de um terceiro imparcial, retomam
o diálogo e constroem um acordo. A intenção desse procedimento é
não apenas resolver o conflito, mas também restabelecer relações
entre essas pessoas. O que pouca gente sabe é que a mediação pode
ser utilizada como instrumento de gestão.
O
método é uma proposta de transformação da percepção do conflito
e pode ser utilizado para evitar que ele se agrave. Utilizá-lo como
ferramenta significa dizer que as técnicas de mediação devem ser
incorporadas pelos gestores no trato com fornecedores, funcionários
e clientes. Os gestores devem elaborar formas de atuação no
cotidiano da organização para que o conflito seja encarado com algo
normal e produtivo.
Os
problemas enfrentados pelas empresas devem ser encarados como
acontecimentos sociais benéficos, pois é através deles que as
opiniões divergentes podem ser analisadas e os indivíduos podem
buscar soluções conjuntas, reforçando as relações. Além disso,
diferentes formas de tocar o negócio e mesmo ideias novas podem
surgir nesse processo de diálogo.
“Litigar
é caro, consome tempo, é emocionalmente desgastante, a publicidade
do processo judicial provoca prejuízos e, frequentemente, destrói
relações valiosas”, afirma Henrique Gomm, coordenador do
departamento de mediação da Câmara de Mediação e Arbitragem da
Associação Comercial do Paraná (Arbitac) e diretor de Relações
Institucionais do Conselho Nacional das Instituições de Mediação
Arbitragem (CONIMA). Gomm afirma que é muito comum, nas transações,
organizações se envolverem em conflitos que acabam por drenar a
energia dos empresários, atrapalhando o funcionamento da empresa,
sem contar o tempo que poderia ser gasto na gestão do negócio que
acaba sendo consumido pelo litígio.
O
mediador conta que, há alguns anos, foi procurado por uma
tradicional empresa familiar - com mais de oitenta anos de atuação
no ramo de bebidas - que estava com problemas. A empresa era
constituída por três sócios, herdeiros do fundador, e, entre eles,
havia um acordo que determinava que cada família teria representante
na diretoria. Quando um dos sócios faleceu, a viúva queria fazer
parte da diretoria. Porém, os outros sócios não acataram a decisão
e o conflito foi se agravando. Consequentemente, as relações entre
as famílias foram piorando. Receosos com o impacto que o processo
judicial poderia ter na imagem tradicional da empresa, os sócios
resolverem tentar a solução pela mediação.
Gomm,
conta que realizou reuniões privadas com cada parte e identificou
que a posição negativa dos sócios em relação à indicação da
viúva do irmão falecido se fundamentava na percepção de
infidelidade conjugal da cunhada indicada para fazer parte da
diretoria da empresa. Segundo ele, acontece muito de problemas
pessoais interferirem em assuntos empresariais, principalmente em
pequenas e médias empresas.
Utilizando
as técnicas apropriadas, o mediador conseguiu evitar que as
discussões se agravassem e orientou as partes a pensarem no futuro
dos negócios, enfatizando que deviam refletir sobre opções que
pudessem ser colocadas em prática no futuro. Assim, os sócios
construíram uma nova estrutura administrativa para empresa, criando
um Conselho de Administração, no qual as famílias teriam
representação, e profissionalizaram a diretoria. “As partes
perceberam que, em lugar de uma discussão e um litígio, tiveram a
oportunidade de realizar um diálogo produtivo que propiciou a
estabilidade das relações societárias para o ingresso das futuras
gerações”, acrescenta o coordenador da Arbitac.
Grupo
de estudo
Ter
a oportunidade de refletir sobre o conflito é o que a mediação
como ferramenta traz às organizações. A Universidade de Brasília
criou um grupo de pesquisa para analisar os instrumentos de gestão e
começou pela mediação. A professora Magda Lúcio, que criou o
grupo em parceria com o professor Luiz Fernando Bessa, acredita que
estudar os benefícios do método no processo de gestão ajuda a
rever até o papel do cidadão na sociedade.
“Entendemos
a mediação como uma proposta que preconiza um novo paradigma de
gestão. Este paradigma está voltado para a retomada reflexiva dos
modelos de cada ação empreendida pelo funcionário, dentro de um
quadro em que a responsabilidade e a capacidade de julgar seria
preponderante”, afirma a professora. A intenção do grupo é
mostrar que o modelo de sociedade em que vivemos precisa ser revisto.
As pessoas precisam aprender a lidar com os conflitos de forma
saudável.
O
grupo está estudando os efeitos e vantagens da mediação
primeiramente nas relações intragovernamentais, tomando como base
procedimentos realizados na Câmara de Conciliação e Arbitragem da
Administração Federal (CCAF). Em um dos casos analisados por Meire
Coelho e Magda Lúcio, o Instituto do Seguro Social (INSS) alugou um
imóvel que pertencia à Empresa de Correios e Telégrafos (EBCT), na
cidade de Diamantina, Minas Gerais, em 2001. Depois de findado o
contrato, eles não conseguiram chegar a um valor para o reajuste. O
INSS, porém, continuou no imóvel e passou a pagar o valor corrigido
com base em estudos da Caixa Econômica Federal. Entre 2006 e 2008,
as empresas trocaram 28 correspondências oficiais, sem conseguir
chegar a acordos. Em 2008, a EBCT ajuizou de despejo, alegando que o
INSS não pagava o aluguel no valor correto.
Depois
esperar por três anos a resposta do Poder Judiciário, os órgãos
levaram o conflito à CCAF. Após as sessões de mediação e
diversas propostas, os órgãos conseguiram resolver o conflito e
extinguir o processo na Justiça. As pesquisadoras concluíram que a
opção pela mediação trouxe inúmeras vantagens, como, por
exemplo, a desburocratização dos ritos, a celeridade e o estímulo
a não procurar o Poder Judiciário a cada divergência. Quando a
mediação é internalizada como processo, as partes tendem a
dialogar e se empenhar na construção de um acordo que traga
benefícios para todos. “Entendemos que esta proposta é
perfeitamente aplicável em todos os tipos de
instituições,
sejam públicas, privadas ou da sociedade civil”, acrescenta Magda
Lúcio. Para ela, o grupo vai mostrar que as organizações que optam
por se responsabilizar pelas soluções conseguem evitar problemas
maiores e prestar serviços melhores. A intenção é estudar ainda
casos que não foram colocados na Justiça, em que os órgãos
procuraram a mediação antes do conflito piorar.
O
uso das técnicas da mediação é útil, pois permite o exercício
da conversa, faz acontecer uma escuta ativa, ajuda a sintonizar as
partes, clarifica questões, redireciona, reformula, evita a culpa e
responsabiliza as partes. A gestão de conflitos envolve adotar uma
abordagem negociada para a criação de regras e regulamentos, em vez
de uma abordagem de decidir, anunciar e defender. Essa forma de olhar
para o conflito permite que sejam construídos procedimentos com mais
aceitação das decisões e cumpridos por todos.
A
profissionalização das empresas passa pela melhoria da gestão,
pela melhor alocação de recursos materiais e humanos e pela
tentativa de aperfeiçoar a entrega do serviço e do produto ao
consumidor. O uso das técnicas de mediação para prevenir conflitos
entre funcionários, fornecedores e clientes ajuda o empresário a
melhorar seu ambiente e sua produção. Ou seja, resolver os
conflitos de uma empresa de forma extrajudicial é uma maneira de
colaborar para a profissionalização do negócio. Dentre as
principais vantagens da mediação na gestão de negócios, podemos
afirmar que ela estimula o exercício da conversa, permite uma escuta
ativa, ajuda a sintonizar as partes, clarifica questões, evita a
culpa e responsabiliza as partes.
Na
Europa, a mediação como prevenção é muito utilizada. A
Associação Europeia de Mediação, com sede em Portugal (Conselho
de Cascais), desenvolve mediação em todas as áreas de atividade
onde possam existir conflitos, potenciais ou declarados, bem como
disponibiliza serviços de mediação para a prevenção de futuros
conflitos. A associação atua em todo continente disseminando a
mediação preventiva.
Fonte:
Revista Resultado
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