terça-feira, 19 de novembro de 2013

A Cláusula Arbitral e a Boa-fé

Acordo é lei
Decisão lapidar proferida pelo juiz paulista Alexandre Alves Lazzarini, confirmada e elogiada pelo Tribunal de Justiça, traz a lume uma importante questão que reforça e prestigia a arbitragem. No caso, tratava-se de contrato empresarial em que, iniciada a arbitragem, consoante disposto na cláusula compromissória, uma parte ajuíza ação para considerar sem efeito a convenção de arbitragem. 

A sentença judicial foi certeira ao analisar a questão à luz do princípio jurídico da boa-fé, que com o Novo Código Civil – NCC, penetra como seiva no caule das relações contratuais, conforme estabelecido em dois primorosos dispositivos, os artigos 113 e 422 do NCC, respectivamente, “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar da celebração” e “os contratantes são obrigados a guardar, assim, na conclusão do contrato, como na sua execução, os princípios da probidade e boa-fé”.

É cediço que o componente de eticidade sempre esteve presente em nosso direito civil, mesmo na ausência de normas expressas a regular as relações contratuais cíveis, o que só ocorreu com a vigência do Código de Defesa do Consumidor em 1990. Todavia, a projeção ética outorgada pelo NCC exige, tanto no momento da estipulação do contrato, como durante sua execução, que as partes se conduzam segundo os ditames da probidade e da boa-fé.

Esta nova disposição representa sutil alteração de rumo, que deve orientar o intérprete e aplicador da norma legal no que concerne ao alcance e abrangência da cláusula compromissória. Não pode assistir razão àquele que aceita as estipulações contratuais e depois, quando não lhe convém ou interessa, nega a validade da cláusula compromissória. 

A cláusula geral da boa-fé impõe os deveres acessórios de conduta no cumprimento contratual, entre eles a lealdade e a confiança. “A boa-fé exige um comportamento honesto das partes. E mais do que isso, exige um comportamento que leve em consideração a pessoa do outro contratante. Esse elemento ético obriga as partes a agirem de modo colaborativo, unidas no intuito de dar ao contrato a sua verdadeira e completa eficácia.” 

Portanto, advirta-se, deixar de acatar cláusula compromissória regularmente pactuada pode, à luz dos deveres acessórios de conduta que defluem da cláusula geral da boa-fé, em especial a lealdade contra- tual, incidir em duplo ilícito (legal/contratual): violar a Lei de Arbitragem e o Código Civil, ensejando, além da instituição obrigatória da arbitragem (art. 41 da Lei n. 9.307/96), também a responsabilidade civil contratual, por acarretar tanto o dano material como o dano moral. A parte que inadimpliu o contrato pode ser obrigada a ressarcir os incômodos causados pela procrastinação da instauração da arbitragem. 

Ademais, as partes podem, ao redigir o contrato, estabelecer cláusula penal nesse sentido. Assim, nesta linha da eticidade reforçada pelo NCC, foi lapidar a decisão exarada pelo juiz paulista que foi mais além: disse que houvera por parte da parte recalcitrante “reserva mental”, aquela vontade que o agente intencionalmente oculta. 

O jurista pátrio Vicente Raó esclareceu que “reserva mental é uma particular espécie de vontade não declarada, por não querer o agente declará-la. É uma vontade que o agente intencionalmente oculta, assim procedendo para sua declaração ser entendida pela outra parte, ou pelo destinatário (como seria pelo comum dos homens) tal qual exteriormente se apresenta, embora ele, declarante, vise a alcançar não os efeitos de sua declaração efetivamente produzida, mas os que possam resultar de sua reserva.” 

Por derradeiro, não poderíamos deixar de enaltecer que a referida sentença reforça a esperança e certeza em termos a arbitragem efetiva e corretamente incorporada à nossa lida jurídica, para que possa cumprir seu mister coadjuvante na administração da Justiça.

Por Selma Lemos
Fonte: Revista Resultado

Nenhum comentário:

Postar um comentário